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Filmes do Irã/A Maçã

As situações e suas circunstâncias

À frente da imagem não está somente o olhar mecânico da câmera, porém, o olhar humano e sensível do artista

Crítica  –  02/11/2016 09:47

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(Foto: Divulgação)

(Sib, Irã, 1998), de Samira Makhmalbaf (1980-)

 

Guido Bilharinho 

Uma das particularidades mais acentuadas, senão a mais reiterada de todos os possíveis e variáveis aspectos a serem considerados no cinema iraniano contemporâneo é a eleição da temática familiar.

A abordagem das situações e suas circunstâncias concentra-se geralmente num acontecimento específico, problematizado ficcionalmente. Essa orientação possibilita extremada contenção fática, redundando em decorrente economia de meios e modos.

Se a primeira condição permite a viabilização cinematográfica dados seus baixos custos, a segunda restringe seu alcance formal e também técnico, embora esse, do ponto de vista cultural e artístico, seja secundário, por instrumental.

Já no que tange à forma, a limitação atinge o cerne do fazer artístico, daí decorrendo, como vem acontecendo nessa filmografia, com algumas exceções, a prevalência da história sobre a elaboração artística, em descumprimento à sua regra básica, que é sua razão de ser, isto é, a produção de beleza para atendimento do prazer estético, a mais alta consecução da inteligência e sensibilidade humanas.

Na ficção, que é o caso, sobreleva ainda seu urdimento, conteúdo e desdobramento, na apreensão e respeito às verdades da natureza humana.

Se no primeiro caso, o filme “A maçã” (Sib, Irã, 1998), de Samira Makhmalbaf (1980-), deixa de atender aos requisitos mais imperativos da formalização artística, no segundo alcança o desiderato a que se propôs de construção e exposição de situação humana e familiar específica.

Se essa característica impõe-se desde logo e em todo seu decorrer, não é ela propriamente que deve ser notada e realçada, mas, sim, o depuramento com que se desenvolve e a espontaneidade e autenticidade demonstradas, que emocionam e encantam.

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O drama familiar focalizado forma cosmologia peculiar, em que seus elementos constitutivos (casal e duas filhas gêmeas), orbitam em coordenadas próprias, perfeitamente entrosadas, até que a interferência do mundo exterior denuncia sua anormalidade.

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A partir daí, a ação reparte-se em pelo menos dois níveis distintos, que se comunicam e se influenciam, determinando alteração no conspecto sedimentado. O núcleo familiar sofre, pois, acentuada mutação sob a ação externa, obrigando-o a sair de seu enclausuramento e a contatar e relacionar-se com o mundo, o outro elemento dessa confluência de situações e ações.

Além da delicadeza e sutileza com que se processa essa etapa da ação fílmica, ressalta-se a poetização de atos, gestos e do descarnado décor, em procedimento imagético que os valoriza para além da visualização direta e imediata.

À frente da imagem não está somente o olhar mecânico da câmera, porém, o olhar humano e sensível do artista, atingindo o clímax na cena final, emblemática, que se descurada da estetização da imagem e da composição de sua sucessividade, não olvida a elaboração dos conteúdos que viabiliza. 

> Guido Bilharinho - Advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia “Dimensão”, de 1980 a 2000, e autor de livros de literatura (poesia, ficção e crítica literária), cinema (história e crítica), história (do Brasil e regional).

Por Redação do OLHO VIVO  –  contato@olhovivoca.com.br

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