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Encontro de Degustação e Filosofia

Homero Santos e a divina "caveira", um processo sustentável

Guru da sustentabilidade no Brasil fala um pouco sobre seu livro, economia criativa, seu trabalho e as projeções para o futuro

Indicados ao Prêmio OLHO VIVO  –  22/03/2013 17:47

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(Fotos: Divulgação)

Pai e filha escreveram "A caveira de Hamlet - Pensamentos
malcomportados sobre a vida, a verdade e o futuro"
 

No fim do mês de fevereiro estive em São Paulo a convite do autor do livro "A caveira de Hamlet - Pensamentos malcomportados sobre a vida, a verdade e o futuro", de Homero Santos, para um encontro de degustação e filosofia. Homero Luís Santos foi professor e consultor do UniEthos, professor associado da Fundação Dom Cabral, membro-fundador da Comissão de Estudos de Sustentabilidade para as Empresas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC e ex-conselheiro efetivo do Conselho Regional de Administração - CRA-SP.

A princípio o convite se resumia a participação em um evento onde um pequeno grupo de pessoas se reuniriam num jantar para discutir alguns capítulos de seu livro. Mas conversamos quase um dia inteiro sobre a vida, o futuro, teatro e dinheiro. O evento em questão é um contato próximo entre pensadores e admiradores do estilo "antes do brinde cada um faça uma pergunta".

A Casa DegFiló é um encontro de degustação e filosofia. Homero foi convidado pela quinta vez a se encontrar com os participantes, propondo uma dinâmica tripartite, três grupos se reúnem entre si, discutem os capítulos do livro e formulam uma pergunta. As perguntas foram direcionadas de A para B, de B para C e de C para A, devendo ou podendo Homero tecer alguns comentários. Os capítulos escolhidos foram "Eros, Tanathos e os novos deuses da modernidade" e "Dinheiro, incerteza e lucro: O trio elétrico do capitalismo", para os mais curiosos que quisessem, ou tivessem tempo da sua corrida vida em São Paulo, poderiam folhear as páginas dos capítulos: "Simplicidade, desprendimento e a busca da felicidade" e também "O nó górdio do crescimento"”.

O que se propõe a sustentabilidade

Eu tive contato com o livro de Homero por meio de sua filha, coautora do livro, Maria Fernanda Santos. No meio do meu curso de MBA em gestão do terceiro setor, me deparei com cadeiras que estudavam a sustentabilidade, a responsabilidade social empresarial, o compromisso social, como forma de enaltecer a preocupação das empresas extratoras ou que transformam matéria prima natural em mercadorias, em salvar o planeta. Mas as ideias postas como desenvolvimento sustentável, sustentabilidade e responsabilidade social empresarial ficaram para mim conflitantes, uma vez que nas matérias sobre gestão o lucro e o crescimento das empresas são os principais ingredientes de um excelente portifólio de um gestor numa empresa. Fernanda esteve no Rio de Janeiro de passagem para São Paulo e me contou que estava lançando um livro, cuja a temática rondava a sustentabilidade. Meu interesse pelo assunto não me permitiu largar as páginas do livro até que eu terminasse de escrever meu trabalho.

Agora, depois de entender melhor o que se propõe a sustentabilidade, Homero adaptou as ideias centrais de seu livro num texto teatral. Ou seja, uma confluência de interesses e vontades encontradas num espaço-tempo, como o encontro mágico entre Taliesin e Fernanda na Vila Feliz, como está no livro.

O guru da sustentabilidade no Brasil, como é visto pelas principais lideranças no assunto, fala um pouco sobre o livro, sobre economia criativa, seu trabalho e as projeções para o futuro.

Confira a entrevista exclusiva para o OLHO VIVO

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Obra foi publicada com a consciência de que se trataria de um livro cult

RC: Homero, ao escrever um livro sobre a vida, a verdade e o futuro, você previa o futuro do livro? Os desdobramentos que ele poderia ter?

HS: O desejo de todo autor é que sua obra seja difundida ao máximo, para isso ele se aplica em expor seu pensamento e a se expor ao juízo público. Mas nosso livro - nunca esquecer que se trata de uma coautoria com minha filha Maria Fernanda - já foi publicado com a consciência de que se trataria de um livro cult, dirigido a uma minoria; uma tribo, como costumo chamar: a tribo dos conectados com um novo modelo de organização de nossa sociedade global, em iminente risco de desagregação via sistema econômico.

RC: Em nossa conversa você me contou que o nome do livro veio em um momento em que você se perdeu numa rodovia a caminho de Paraty. Esse insight criativo é uma prova de que o ócio é um produtor de criação em atividade?

HS: Vejo esse processo que você denominou de insight - e não deixa de sê-lo - como o afloramento de algo que já estava latente no meu íntimo e que o esvaziamento do pensamento sobre o livro, dada a preocupação de encontrar o rumo perdido na estrada, permitiu emergir. O nome "A Caveira de Hamlet" já estava pronto, esperando a hora propícia para o parto...

RC: Como foi o processo de elaboração dos valores da UniEthos e por que um núcleo de formação em sustentabilidade?

HS: O UniEthos, que juntamente com Ricardo Young e uma valorosa equipe ajudei a estruturar, teve seus valores explicitados no documento-base de criação desse braço educacional do Instituto Ethos. Esse documento - denominado Temática Educacional, que ficou a meu encargo produzir - foi elaborado justamente não apenas para dar substância de conteúdo à nova entidade (isso foi em 2004), mas porque havia o propósito de difundir o ainda timidamente surgente conceito de sustentabilidade - que reconhecemos, com certo pioneirismo, como o grande tema desafiante para o final do século XX, que iria perpetuar-se na sua relevância durante as primeiras décadas do ano 2000.

RC: A verdadeira noção de sustentabilidade está na educação?

HS: A noção de sustentabilidade nasce do conhecer o mundo em que vivemos, as suas possibilidades de ação para os humanos e as suas limitações para nossos desejos e apetites. Essa é a condição indispensável para lidar com a ideia, considerando que, num planeta com limites físicos - pelo menos em princípio e em teoria -, todos estaríamos engajados em assegurar vida de qualidade para nossos descendentes. É a hipótese de que o ser humano, entre tantas outras características, abriga em si um espírito de altruísmo, dentro do qual só é bom aquilo que, ao nos beneficiar no presente, não priva os demais, os da mesma geração presente e os das gerações vindouras, do mesmo direito. Altruísmo e senso de ética e justiça caminham juntos. A educação, num sentido bem mais elevado de formar pessoas e seu caráter, e não de apenas adestrá-las, é o vetor natural dessa condição superior.

RC: Por que você considera que a economia criativa deveria ver mais humanos do que cifras? Que crescimento é esse proposto por esta nova política?

HS: Na verdade, as métricas de desempenho das nações estão excessivamente calcadas em valores financeiros, que denominam quantitativamente apenas bens tangíveis. A economia criativa busca valorizar e estimular as atividades intangíveis, ligadas à criação de conhecimento e ao uso reduzido de materiais - é uma espécie de tentativa de "intangibilizar" a economia. Não se prende essencialmente ao "crescimento" e sim à satisfação de indivíduos e grupos como resultado da atividade que desempenham, e à geração de vida com qualidade.

RC: O dinheiro é um dano para a produção cultural?

HS: Não... O dinheiro é como a energia nuclear: pode-se fazer dela uso pacífico ou servir-se da sua potência para dizimar povos e regiões. Nesse sentido, é neutro para a produção cultural - assim vejo eu...

RC: Por que a sustentabilidade está tão desgastada?

HS: Excesso de mau uso do conceito... e muita ignorância de seu verdadeiro significado, quando não pelo emprego mal intencionado do termo para fins mercadológicos e políticos.

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"A peça pretende ser um meio de atingir
um público mais diversificado. A representação
teatral estabelece por si - claro, quando bem feita! -
uma dialética entre plateia e atores"

RC: É comum você ouvir as pessoas confundindo desenvolvimento sustentável com sustentabilidade? Qual a diferença?

HS: O desenvolvimento sustentável consiste num processo que propõe o uso equilibrado dos recursos humanos e naturais de um país ou região. Se tivesse sido adotado de forma ampla e generalizada a partir de quando foi formulado o conceito, em 1987, isso teria impedido de estarmos tão próximos da insustentabilidade do modelo civilizatório como hoje nos encontramos, e nos teria colocado na rota da sustentabilidade, como produto desejado de sua prática. Sustentabilidade é a meta do desenvolvimento sustentável.

RC: Toda nação busca um crescimento, principalmente uma nação emergente como a nossa. A afirmação do Brasil no cenário mundial como soberania estável está custando uma liberação de valores culturais em nome da receptividade do mundo moderno em território tupiniquim. O quanto pode ser devastador o neoliberalismo econômico? Que futuro nos aguarda?

HS: O modelo econômico vigente está falido e, mais cedo ou mais tarde, se desintegrará. Todos pagaremos por isso, num planeta onde as relações e a interdependência entre pessoas e nações se tornaram globais.

RC: Por que transformar seu livro em texto teatral?

HS: Pretende ser um meio de atingir um público mais diversificado. A representação teatral estabelece por si - claro, quando bem feita! - uma dialética entre plateia e atores. Daí, mensagens verbais e não verbais podem ser captadas pelo público, mobilizando o interior dos espectadores, coisa que uma simples leitura quase sempre não logra. E a leitura sempre exige mais determinação do leitor em prosseguir em assuntos que, no nosso caso, muitas vezes são densos, ao passo que, na peça "Três", se procurou selecionar a essência da temática e estruturar a narrativa de modo mais assimilável para um público expandido.

RC: A obra "Três", título da peça, ainda não foi publicada. Você espera encenar a obra antes de publicar o texto?

HS: Gostaria, antes de partir para uma publicação, de testar a peça numa apresentação-piloto, da qual poderiam surgir sugestões de aprimoramento, além de uma avaliação global da validade da iniciativa em si.

RC: A incerteza da morte nos leva ao consumo inconsciente? E junto a essa pergunta, contraponho: A simplicidade voluntária reside em pequenas comunidades?

HS: A avidez por consumir - o consumo pelo consumo - costuma ser dependente do grau de paciência dos indivíduos no atendimento de seus desejos e necessidades. Maior a paciência, menor a propensão marginal a consumir - este, um termo emprestado da economia. Essa paciência, por sua vez, reflete a hipótese, amiúde inconsciente, sobre quanto mais viveremos para poder esperar a realização do que pretendemos, o que aliás sempre traz um custo associado. Paciência é a arte da espera serena... Já a simplicidade voluntária decorre de uma decisão pessoal de optar pelo suficiente, abandonando a falsa felicidade com que o supérfluo pode acenar. Ocorre que, como os semelhantes buscam os semelhantes, os optantes por esse modo de vida - ainda hoje uma minoria - acabam agrupando-se em comunidades que têm o tamanho proporcional ao número de seus membros: "pequenas comunidades". Mas há adeptos solitários da simplicidade voluntária, já que é uma decisão individual...

Saiba mais

> Blog do Homero > O livro > A Casa DegFiló

Por Rafael Crooz  –  rafaelcrooz@hotmail.com

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