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Protesto

O Brasil precisa de vários Ministérios de Culturas

Fim do MinC é uma agressão ao desenvolvimento do país, mas principalmente da humanidade; se você ainda não percebeu isso, está sob o efeito tóxico do pensamento materialista

Choquei  –  18/05/2016 17:05

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(Fotos: Wallace Yuri e Reprodução/Internet)

Iphan em Natal: Dezesseis estados brasileiros estão mobilizados na ocupação de lugares de cultura

> Revolta local: Artistas da região sul fluminense também se mobilizam contra o fim do MinC 

Não faz o menor sentido ter siderúrgicas e agronegócio num país dito desenvolvido como o Brasil. Nós que sempre quisemos estar na vanguarda do progresso, hoje atestamos nossa ignorância e retrocesso. O ataque ao ambiente, à saúde e à paz é brutal. Um sistema econômico baseado na produção de coisas está fadado ao limite. Do ponto de vista do mundo, não há fora. Não há como jogar fora o que se produz. Por isso todos os sistemas econômicos do mundo baseados na produção de coisas é um sistema morto.

Eu vivo no Médio Paraíba Fluminense, uma região de vales, na bacia do Rio Paraíba do Sul, no Estado do Rio de Janeiro. Aqui, dizem os gestores públicos realistas, já sabem o dia em que a siderurgia vai acabar. Outros reproduzem sem nenhuma fonte que a vocação da região é o setor "metal-mecânico" (sic!). Claro, pois nessa região encontram-se algumas das principais indústrias siderúrgicas e montadoras de veículos, e chamam isso de vocação. Eu entendo como invasão. O que lhes cega é o Deus Mercado.

Minha cidade, Barra Mansa, com quase 180 mil habitantes, tem usinas, que juntas empregam cerca de 6 mil pessoas direta e indiretamente. Só a prefeitura emprega sozinha mais de 4 mil pessoas. Nossa vocação então não está direcionada ao setor metal-mecânico. Nosso setor produtivo é inexistente, claro. Nossa vocação é a maquina pública. A Prefeitura de Barra Mansa não é produtora de coisas. Seus cidadãos transformam a cidade num lugar, num território conhecido nacional e mundialmente pela criatividade de seus habitantes, e não pelo potencial produtivo. Os agentes criativos inseridos na cultura e na arte barramansense podem chegar a 100% dos habitantes. Mas, se nos orientarmos pela dedicação profissional da produção cultural, suspeito que Barra Mansa tenha potencial para identificar mais de 20 mil trabalhadores criativos. Ou seja, qual é nossa real vocação?

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> Fortaleza: Frente Nacional de Teatro

A partir da primeira década do século XXI, o Brasil passou a decifrar o código do desenvolvimento por meio de bens de propriedade intelectual. O Ministério da Cultura implementou políticas que colocaram a criatividade no topo dos debates e dos investimentos. O setor foi na contramão do país. Enquanto tudo perdeu força, o setor criativo cresceu. Na década de 1990 eram cerca de 600 mil trabalhadores, movimentando anualmente entre 100 e 150 milhões de reais. Na última década a Cultura passou a movimentar cerca de R$ 3 bilhões a cada ano. Enquanto o país murcha, a Cultura mantém a chama do desenvolvimento acesa. Considerado despesas para uns, investimento para outros. O MinC foi a pasta mais bem sucedida das últimas décadas.

A produção do país passou a ser a consciência, a razão e o espírito. Deixou de ser o braço. A matéria prima passou a ser a criatividade. A metodologia foi simples. Olhar para a própria humanidade e se questionar sobre a razão de existir. Existimos para produzir carros? Existimos para produzir prédios? Pra produzir coisas? Alimentamo-nos de aparelhos portáteis? A resposta é óbvia. Claro que não. É sabido que os provocadores da economia da criatividade no Brasil não partiram dessas premissas para virar a chave do progresso brasileiro. Partiram de outras. Nosso corpo se mantém vivo alimentado com comida, nossa alma se inflama de inspiração.

As potências econômicas mundiais, depois de entenderem que a indústria de coisas coisificadas é o câncer do mundo, avançaram e hoje vivem o pós-industrial. Entendem que o desenvolvimento está no sistema de indústria e aplicam na criatividade, a Indústria Criativa. No Brasil é melhor dizer “cadeia produtiva do setor criativo”.

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Não é razoável justificar o arrocho da pauta cultural protagonizando setores como saúde, educação e saneamento básico. A inteligência está no equilíbrio dos recursos destinados ao que é fundamental para o humano.

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Sabe-se que na Europa o setor está em segundo lugar no PIB, enquanto o aço está em sétimo, e a produção de automóveis não aparece no pódio. Investem e lucram em criatividade. Produzem o que não ocupa espaço. O território europeu cabe no Brasil com sobra. Eles já não querem mais nada lá dentro que ocupe o espaço, e passaram a investir no que não ocupa. A produção intelectual não precisa de terrenos planos, recursos hídricos abundantes, tampouco de estruturas gigantes e robôs. O produto cultural precisa de mentes e corações. Tudo cabe em nós mesmos. Mantemos vivos nosso corpo e nossa alma, e nosso ambiente.

Entendido o mal que o desenvolvimento por meio da produção de coisas faz à humanidade e ao planeta Terra, é triste perceber quantas pessoas acham terrível que montadoras, fábricas e indústrias se fechem. É preocupante conviver com o pensamento de que a Cultura do Brasil não precisa de um Ministério, nem de políticas específicas. Foi o Ministério da Cultura que movimentou bilhões de reais no país, não a construção civil ou a produção de aço. Conclui-se que os valores estão invertidos. O fim do Ministério da Cultura é uma agressão ao desenvolvimento do país, mas principalmente da humanidade. Se você ainda não percebeu isso, está sob o efeito tóxico do pensamento materialista.

Conecte-se consigo, e veja o que é essencial para sua vida. Você não vive sem amor, sem comida saudável e sem arte. Tente. Depois disso você se questionará e não vai entender porque as indústrias brigam por um ministério. Vai ser tão óbvio ter políticas para o desenvolvimento da criatividade que você vai perceber que estava cometendo suicídio fomentando um desenvolvimento sem preocupar-se com a produção de ideias.

3Sobre os direitos fundamentais, nossa constituição foi bem escrita. Uma constituição cidadã com garantias sensacionais, embora a parte política seja idiota. Não há outro caminho para unir o país senão por meio da identidade cultural. Hoje o país está unido. Dezesseis estados brasileiros estão mobilizados na ocupação de lugares de cultura como as sedes do MinC, Funarte e Iphan, além de promoção de encontros e ações em locais públicos, como praças, ruas, e avenidas. Esse movimento, impulsionado principalmente pela Frente Nacional de Teatro, tem gerado repercussão, ao exigir a saída de Michel Temer, e exaltando que o MinC é nosso! Estamos testemunhando que este governo vai cair e a maior pressão vem do setor “que não merece ministério”. A Cultura está cultivando a democracia e impede que ela desapareça no Brasil.

Aproveito para lembrar um assunto merecedor de mais reflexões, mas que aponto aqui como conclusão. Augusto Boal acreditava na cultura, não como algo isolado de uma sociedade, mas como comportamento social. Gilberto Gil consolidou o pensamento ao perceber as dimensões simbólica, econômica e cidadã do setor e implementar políticas sólidas continuadas por Juca Ferreira. Ambos nos mostraram como é fundamental o MinC para o desenvolvimento do país e nos permite confirmar o que Boal afirmava. O teatrólogo mais importante do Brasil acreditava que deveriam existir vários Ministérios da Cultura. Um da Cultura da Pesca, outra da Cultura do Esporte, da Cultura do Trabalho, da Cultura da Saúde, outro da Cultura da Educação, enfim. Ele estava certo. Nossa revolta não deve ser a extinção, mas a falta de um Ministério da Cultura para cada área do conhecimento.

Por Bravo  –  marcelobrv@gmail.com

1 Comentário

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  • Hugo Krüger

    Ótima matéria Bravo! Grande parte da população e a maioria dos governantes não viram ainda a importância da cultura para o real desenvolvimento da nação, os países que enxergaram isso antes, hoje dominam o mundo, um fato que a maioria das pessoas não sabem: "...a cultura tornou-se gradativa e firmemente um dos maiores motores da economia do país que ainda é o centro
    econômico do mundo, os EUA, onde um único domínio da produção cultural, o audiovisual, vem sendo reiteradamente um dos dois principais setores (junto com a indústria aeronáutica) mais significativos em termos de montante de recursos gerados, e onde, em 1996, a soma total do produto cultural (audiovisual, livros etc.) correspondeu ao primeiro lugar da lista dos componentes dessa mesma obsessão contemporânea, o PIB, produto interno bruto." ( Do livro: " A cultura e seu contrário)