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Talentos Sem Fronteiras

Milton Martins e a música brasileira na Itália

Músico fala da sua trajetória e como está o mercado da MPB em Milão

Entrevistas  –  29/09/2019 21:24

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(Fotos: Divulgação)

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“A desunião da classe me frustra muito, pois, se deixássemos nosso ‘eu’ em casa e nos uníssemos, poderíamos fazer coisas bonitas e teríamos muitas vitórias a partir disso”

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“Quem canta, seus males espanta”. Quem nunca ouviu essa frase? Milton Martins está entre os diversos profissionais da música que se chateiam muito com o comportamento de fregueses que pedem uma música fora do repertório e muito longe do gênero com o qual gosta de trabalhar. Mineiro de nascimento e milanês de coração, ele, que nasceu em Uberaba e foi criado em Belo Horizonte, começou a sua trajetória italiana com a música brasileira no tempo em que Milão tinha público brasileiro e local para se trabalhar o bom gosto musical brasileiro. Fez mineralogia no Brasil e sound designer na Itália. Hoje, juntando os públicos brasileiro e italiano que curtem seu estilo, não chega nem perto do público dos gêneros opostos. Fica a pergunta: É possível viver de música brasileira na Itália? 

Definir o que é música talvez não seja tão fácil quanto parece. Às vezes sentimos que a definição está na ponta da língua, mas não sai, e aí chegamos à conclusão de que não dá pra definir música, porque parece uma mistura de sentimentos que, de uma forma ou de outra, marca uma fase das nossas vidas. Sempre que as escolhemos para ouvir, fazemos isso de acordo com nosso estado de espírito. Dificilmente, quando estivermos tristes, colocaremos uma música alegre. Nós, seres humanos, temos essa mania de cutucar a ferida.  Sabemos que iremos nos sentir mais tristes, mas, ainda assim, escolhemos aquela que vai nos fazer chorar ainda mais. É como se quiséssemos transbordar nossa tristeza. Quando estamos felizes, acontece o mesmo: Queremos, através da música escolhida, espalhar nossa alegria.

Uma música deve combinar harmonia, ritmo e melodia. É uma arte, e como arte deve ser agradável aos nossos ouvidos e ao nosso cérebro. Por isso, é uma coisa muito particular. 

Afirmar o que é uma música boa ou o que é uma ruim é muito peculiar, pois os estilos musicais são variados: cada qual com seu padrão rítmico e muitas das vezes o ritmo que agrada a uns pode ser extremamente irritante para outras pessoas. Daí a conclusão de que a música possui o poder de alterar comportamentos.

Muita gente julga os estilos musicais de acordo com seus próprios gostos. Os jovens costumam até se vestir de acordo com seu gênero musical. Esse comportamento reflete-se também na aparência, tais como cortes de cabelo, maquiagem e acessórios. Dessa maneira, os músicos e compositores têm uma responsabilidade muito grande na orientação dos jovens, pois a música é influenciadora. Pode, portanto, ser uma ferramenta importante na educação e conscientização de jovens e adultos.

A geração dos anos 90 para trás foi influenciada por rock, samba de raiz, MPB, bossa nova etc. E isso fez dela uma geração muito seletiva para a música. Para essa geração seletiva, a boa música é aquela que tem conteúdo, que transmite mensagens. Hoje em dia, não encontramos muitas letras boas nas músicas, mas são essas que têm feito sucesso, portanto, o mercado fonográfico tem dado preferência por causa da geração de lucro.

Alguns músicos se sentem impotentes diante dos gêneros que fazem sucesso hoje. É como se estivessem extirpando-lhes, não apenas os ouvidos, mas a sua arte também. 

Seria o caso de Milton Martins? Na entrevista abaixo, ele fala da sua trajetória e como está o mercado da música brasileira em Milão, de forma que essa entrevista sirva de elemento norteador para outros músicos brasileiros que tenham intenção de viajar para a Itália exercer seu ofício na área. 

Confira a entrevista com Milton Martins

M2 

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“Tem gosto pra tudo e tem música para o gosto de todos. A música brasileira de qualidade tem um mercado mundial". 

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Qual é o gênero musical que você trabalha e qual instrumento você toca? 

MPB, pop rock nacional e internacional, jazz, bossa, samba... Sou multi-instrumentista: meus instrumentos são piano, violão, cavaquinho, banjo, percussão em geral, ukelele, saxofone... 

Há quanto tempo você está nessa estrada? Fale um pouco de como você começou, suas vitórias e dificuldades pelo caminho. 

Comecei na escola militar, onde eu era o pratista da banda. Vim de uma família de músicos, meu pai tocava violão e cantava. Tios também. Visitei países, conheci pessoas da área nessa trajetória que jamais pensei. A música me proporcionou, entre outras coisas, isso, e mais a satisfação de fazer o que gosto. Dificuldade eu nem diria, mas a desunião da classe me frustra muito, pois, se deixássemos nosso “eu" em casa e nos uníssemos, poderíamos fazer coisas bonitas e teríamos muitas vitórias a partir disso. 

Você chegou a fazer algum curso na área da música? 

Eu sou mineralogista no Brasil. Na área da música eu não fiz nenhum curso, sou autodidata. Nasci autodidata. Então não tive dificuldade em aprender diversos instrumentos sozinho. Só quando vim pra Itália, fiz meu primeiro curso nessa área, que foi o de sound designer, e cheguei a trabalhar em diversos espetáculos. A pessoa mais importante nos espetáculos são os técnicos. Então fiz espetáculos, como festivais latino americanos e em casas noturnas, onde tive o prazer de trabalhar com Neguinho da Beija Flor etc. 

O que e quais foram os músicos/compositores que o influenciaram a seguir por esse gênero musical? 

Tudo começou porque em casa havia sempre o som do violão de meu pai com muito Nelson Gonçalves, Ataulfo Alves, Izaura Garcia, Maísa, Vinicius... Isso foi me despertando, me tornando seletivo com a música e com o tempo e amadurecimento fui aprendendo que música pra mim tinha que ter poesia, uma boa melodia... E eu via muito isso nos sambas com o violão, depois passei para o cavaquinho e eu ouvia muito Chico, Tom Jobim, Vinicius, Caetano... Na Itália, conheci Caetano Veloso, que me apresentou Gilberto Gil, e aí cheguei a fazer backing vocal com ele, embora não tenha registro oficial porque foi uma coisa meio que por acaso: Eu estava assistindo ao show dele e ele cantava e eu respondia. E assim fui interagindo e envolvendo ele. E acabei participando do show.  

Trabalhando músicas de grandes compositores, você se sente injustiçado diante de um mercado que enterra a qualidade, se distanciando da riqueza musical em busca do lucro? 

Não, porque tem gosto pra tudo e tem música para o gosto de todos. A música brasileira de qualidade tem um mercado mundial. Então, de maneira alguma me sentiria injustiçado. Acho que há lugar para todos e espaço e público para todos os gêneros. 

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"Se sinto que a plateia gosta de uma música, vou tocando. Mas sempre dentro do meu gênero musical. Se me pedem algo fora do meu gênero, eu faço uma pausa e coloco um disco pra tocar". 

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Quais as vantagens de se trabalhar com música brasileira na Itália e não no Brasil? 

A diferença não é muita. Acho até que no Brasil é melhor, porque a música brasileira é alma, é coração. Legal mesmo é trabalhar no país da gente com a música da gente, já que até na questão financeira não muda muito não. 

Nos anos 90 era muito comum, nos bares e boates, que brasileiros e italianos conhecessem repertórios como o seu. Hoje, as coisas estão muito mudadas. Fale um pouco sobre o público que frequenta os locais onde você toca. 

Na maior parte são italianos que apreciam e conhecem o melhor da nossa música. Eles gostam de ouvir e procuram. Brasileiros aqui não frequentam muito não, talvez porque hoje a gente toque a música brasileira em locais italianos e então a divulgação fica nos meios italianos. Talvez, se fosse divulgado para o público brasileiro, muita gente iria sim, já que tem muito brasileiro de longa data aqui que já estavam aqui no tempo em que havia muito local genuinamente brasileiro. 

Ainda existe interesse de jovens por esse gênero? 

Sim. Nos locais onde toco há sempre jovens procurando informações sobre dias de música brasileira ali. Jovens italianos e brasileiros. Eles gostam muito de bossa nova. 

Você muda o repertório de acordo com o local e público que o frequenta? 

O meu repertório é de acordo com a plateia. Se sinto que a plateia gosta de uma música, vou tocando. Mas sempre dentro do meu gênero musical. Se me pedem algo fora do meu gênero, eu faço uma pausa e coloco um disco pra tocar. 

Descreva a importância do gênero musical para sua vida e para a vida das pessoas? 

Você vive melhor com poesia, com coisa bonita. Te dá qualidade de vida. Acredito que isso valha pra minha vida e para a dos que curtem o meu gênero musical também. 

No Brasil, o artista que ganha dinheiro ou sobrevive fazendo o que gosta é tido como uma pessoa de muita sorte. Aqui na Itália é possível sobreviver apenas com música? 

Não. Pra mim não é possível. Pra viver da música aqui você tem que ter uma carreira discográfica bem consolidada. Ainda assim é complicado. Você tem sempre que conciliar com outra coisa da área ou não. Tem gente que até consegue, mas pra mim fazer só música vira rotina e virou rotina, diminui a emoção, diminui o prazer. Vira meio que obrigação porque você pensa mais no dinheiro do que no prazer de tocar. 

Deixe uma dica para quem pretende seguir pela mesma estrada.  

Tem que seguir. Cada um tem a sua história, seu sonho, então tem que perseguir. 

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Por Rita Procópio  –  ritafprocopio@hotmail.com

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