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Teatro/Não Posso Ficar

Peça na antiga estação ferroviária de Barra do Piraí é biscoito fino para viagem

Com direção de Frederico Nepomuceno, faz crítica social ao abandono do local que serve de cenário para o espetáculo

Crítica  –  16/05/2015 09:28

Publicada em: 12/05/2015 (11:54:00)
Atualizada em: 16/05/2015 (09:28:35)
 

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(Foto: Reprodução/Facebook)

Maioria dos atores está à vontade em seus papéis interpretando diversos personagens 

Felippe Carotta 

Precisaria que o olhar do público fosse do tamanho do vagão de um trem para transportar, de fato, para o coração as emoções da peça "Não posso ficar", que estreou em Barra do Piraí no fim de semana e fica em cartaz até o próximo. Apropriando-se da antiga estação ferroviária da cidade como ponto de partida para abordar a estreita relação que existe entre os trens de passageiros e a história do município, o espetáculo acerta na dose de poesia e drama, com duas "pedrinhas" de melancolia, e embriaga a plateia de nostalgia.

A chegada de uma família de imigrantes italianos é o start da montagem, que dialoga com o gênero musical ao inserir coreografias e canções diversas no contexto cênico, sem interromper o fluxo da narrativa. Aliás, a fluidez com que a peça se desenrola, na constante interação entre personagens e público, é um dos recheios saborosos desse biscoito fino. A priori, o espectador mais desatento dirá que a direção de Frederico Nepomuceno desemboca em uma dramaturgia com esquetes isoladas, que não dialogam entre si. Não é verdade. O fio condutor - o eixo narrativo - está lá, em todas as cenas. A antiga estação, cenário da produção, é praticamente um personagem à parte, uma eminência parda a desenrolar o novelo da história, a máquina que vai à frente, puxando os vagões.

A maioria dos atores - amadores ou não - estava à vontade em seus papéis, e o fato de interpretarem diversos personagens ao longo do espetáculo não os prejudicou. Um ou outro exagerou nos tiques, principalmente no trecho que envolve uma aparente visão onírica de índios, piratas e criaturas fantásticas. Caras e bocas em excesso à parte, isso não comprometeu o resultado final nem dessa e nem de outras cenas em que os escorregões se repetiram. Em especial, brilharam como faróis de trem no meio da noite as atrizes Maria Carlota, Tamiris Lima e Cida, sendo essa última a protagonista de uma cena antológica, que é certamente a mais emocionante do teatro. Ave, Cida!

Os trechos de humor caem bem para suavizar a atmosfera da narrativa, mas não servem para fazer rir. No estilo cinema mudo, a la "O Gordo e o Magro", são louváveis pela criatividade, no entanto, um pouco cansativos e sonolentos como o chacoalhar e o barulhinho do trem durante horas de viagem. O ator Pedro Winter é outro que garante ótimas incursões, e chega ao seu apogeu na cena do cabaré - mais um dos momentos em que Tamiris e Maria Carlota enchem os olhos do público, diga-se de passagem.

Com louvor, as mãos condutoras de Fred Nepomuceno lembram o estilo do diretor global Luiz Fernando Carvalho, responsável por produções que dialogam com múltiplas linguagens e têm um acabamento estético diferenciado, como, por exemplo, o remake da novela "Meu pedacinho de chão", exibido recentemente e que foi sucesso de crítica. Um ar soturno, com a narrativa entremeada por espécies de divagações, e um toque um tanto ou quanto gótico na atmosfera imprimem à "Não posso ficar" uma marca inédita na cultura de Barra do Piraí, pelo menos nas últimas décadas.

A cereja do bolo fica por conta da crítica social ao abandono da antiga estação ferroviária que serve de cenário para a peça, bem como das demais existentes no município e na região, que estão igualmente em petição de miséria. Não dá para saber qual está pior, e isso fica nítido em um vídeo exibido quase no fim da produção, que mostra, inclusive, o estado de total destruição e abandono em que a equipe envolvida encontrou o local. Com isso, a peça é coroada: emociona e faz pensar. Soou o apito do trem, os sinos estão tocando. Quem tiver ouvidos, ouça. 

> Felippe Carotta é jornalista e escritor

Por Redação do OLHO VIVO  –  contato@olhovivoca.com.br

2 Comentários

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  • Felippe Carotta

    Anderson, boa noite! Não se trata aqui de uma reportagem, portanto, não necessariamente deve conter a ficha técnica do espetáculo. Por se tratar de uma crítica, o autor - nesse caso eu - destaca e ressalta apenas os aspectos que julgar relevantes para a sua análise, não sendo obrigatória a relação de todos os nomes do elenco, por exemplo. De qualquer maneira, todos estão de parabéns e foram enaltecidos na crítica. Um abraço.

  • Anderson

    créditos da ficha técnica, por favor!