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História Circular

424 aplausos à atitude de Diogo Mainard

Livro é muito mais um tratado filosófico do que o desabafo de um pai; e ácido e cômico, fina característica do autor

Crítica  –  12/12/2012 14:51

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(Fotos: Divulgação)

Mesmo para com o seu filho com paralisia cerebral,

Diogo mostrou que chegar a 424 passos

é coisa para quem tem muita atitude

 

Renato Barozzi 

Acabo de ler “A queda”, um livro do Diogo Mainard que expressa em 424 passos suas memórias como pai de um filho com paralisia cerebral. Ele descreve acontecimentos que vão desde o parto catastrófico até o momento em que Tito, seu filho, caminhou por 424 ininterruptos. O livro não fala de piedade, de fracasso, de culpa ou de alguma possível revolta contra Deus. Mas transcorre pelos meandros incompreendidos do amor. Do verdadeiro amor. Exalta-o sem ser sentimental - o que de fato não combinaria com o autor. 

O autor ressalta a todo instante que a história de seu filho é circular. Eu completo: todas as histórias são circulares. Pela manhã saciamos nossa sede num manancial. Pela noite estamos diante de uma muralha intransponível. Cada mês a mais de vida, cada visita a um médico diferente, cada leitura sobre o assunto, tudo isso carregava a possibilidade da esperança ou do embotamento. Mas nada disso fez oscilar o incondicional amor de um pai. Vale reproduzir parte da coluna de 24 de junho de 2002 do Diogo na "Veja": 

“Quando as pessoas descobrem que meu filho tem paralisia cerebral, olham para ele com uma mistura de simpatia e piedade. Eu olho para ele como se olhasse para um totem: com devoção, reverência e sentimento de inferioridade. Dizem que, por causa da ausência de gravidade, um menino com paralisia cerebral está mais bem preparado para viver na lua. Meu filho, portanto, é um homem do futuro, pronto para as viagens interplanetárias. Sabe aquele episódio de Jornada nas Estrelas em que os alienígenas de uma galáxia distante cismam que o capitão Kirk é Deus? Pois eu sou igual aos alienígenas, e meu filho é o capitão Kirk”. 

Diogo vê o filho com supremacia e não com incompletude. Trata-o como um aprendiz e não como um incapaz. Busca soluções e não oferece pretextos para não agir. O amor que esse pai sente pelo filho é o verdadeiro amor. O amor que o edifica, que o prepara, que aponta o caminho - sem por ele caminhar -, o amor que é autêntico. Esse amor, o próprio Diogo já o demonstrou em seus textos. Diogo não copia e cola, ele opina sem medo. Ele evoca emoção sem sentimentalismos. 

Esta resenha não é sobre o amor a ser apreendido, ou a superação de momentos difíceis. Pois não é superação o que vi. Eu vi atitude. É disso que se trata. Diogo já foi considerado a besta que assola o Brasil pela sua coragem de dizer coisas que ninguém diz. Pela independência. Por certa caricatura intransigente esmerada em iconoclastas clássicos como Chesterton, Mencken, Orwell, Paulo Francis e Hitchens. 

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Livro não fala de piedade, de fracasso,
de culpa ou de alguma possível revolta contra Deus

Diogo tem atitude para escrever o que pensa e para conduzir de cabeça em pé e com muito amor à evolução diária de seu rebento. Não podemos, definitivamente, dizer ao Diogo o que dizemos para muitos zumbis que andam por aí a propagar pseudo-opiniões: “o que você é salta mais evidentemente aos meus olhos do que aquilo que você me diz”. Isso ele não merece. O livro segue “circulando” Tito em 424 passos. Agora já não é apenas o autor a ter atitude, mas Tito. E atitude é a maior lição de amor, já que é ensinamento para a vida. 

Minha filha há alguns dias me perguntou: “Papai, por que eu tenho que tentar tudo? abrir a porta sozinha, tomar banho sozinha, ir pedir ao garçom o meu refrigerante sozinha, por quê?" Eu lhe respondi mais ou menos assim: Porque, apesar de o meu amor sempre te acompanhar, nem sempre eu estarei aqui para fazer por você aquilo que somente você deve fazer! 

Não aprendi com o Diogo, mas faço exatamente como ele: torno-me inferior aos meus filhos. “É necessário que nós diminuamos para que eles cresçam”. Devemos ensiná-los a ter a-ti-tu-de. 

Mas devemos frequentemente aprender também a tê-la. E para não deixar que confundam minha exortação - pois eu já disse que não é resenha - com um drama, digo que há um erro “circular” tremendo cometido em nosso país e que precisamos corrigi-lo. O erro de personalizar nossa discordância com aquilo que uma pessoa diz, escreve ou possa ter feito. Julgam os que emitem ideias dissonantes como crápulas, inimigos, reacionários, pessoas sem coração ou mal intencionados, ignorando suas convicções. Aqui não há o respeito às opiniões. Não há a curiosidade pelo contraditório. Não nos alimentamos intelectualmente com a dialética, mas preferimos nos lambuzar de retórica. Enfim, falta amor pelo debate e atitude verdadeira em prol do conhecimento. 

O livro do Diogo é muito mais um tratado filosófico do que o desabafo de um pai. É ácido e cômico, fina característica do autor. Podem o acusar de tudo, mas nunca poderão colar nele a pecha de um autor que morde e assopra, pois mesmo para com o seu filho com paralisia cerebral, Diogo mostrou que chegar a 424 passos é coisa para quem tem muita atitude. 

> Renato Barozzi é administrador, professor, historiador, bancário, cronista e ocupa a cadeira 8 na Academia Voltarredondense de Letras

Por Redação do OLHO VIVO  –  contato@olhovivoca.com.br

1 Comentário

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  • Priscila Duarte

    Parabéns pelo texto Renato! Sempre achei o Diogo meio amargo e até mesmo exagerado nos seus textos. Sua cronica me incentivou a ler o livro. Quem sabe eu não mude de opinião a respeito do Mainard. Abraços, Priscila.