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Primeiros Filmes de Júlio Bressane

Os fios das tragédias

Ressalta-se no filme a economia da construção ficcional, sintetizando em poucas cenas a ambiência comportamental, convivencial e conflitiva das personagens, perfeitamente contextualizada

Crítica  –  11/03/2017 08:25

Publicada: 23/02/2017 (20:41:07) . Atualizada: 11/03/2017 (08:25:34)

Guido Bilharinho 

Os ficcionistas de modo geral, quando verdadeiramente artistas, mais do que representar ou recriar a vida, a criam em sua obra, aduzindo, como disse o poeta (Arici Curvelo, em “Às Vezes”), mais vida às existentes, engendrando novas realidades que se somam e expandem as realidades existentes.

É o caso do filme “Matou a família e foi ao cinema” (1969), de Júlio Bressane.

Nele desfila série de dramas familiares desaguados em tragédias.

A partir do drama dantesco do filho assassinar friamente e a navalhadas seus pais e, após, ir tranquilamente ao cinema, Bressane articula diversas ocorrências semelhantes, sempre nos limites da organização familiar e sempre, também, em cima da insatisfação ou da condição amorosa e sexual.

A princípio poder-se-ia tentar ver nessa opção ficcional inspiração e influência das obras de Nélson Rodrigues que perfilham semelhantes preocupações.

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Nada mais diferente, porém. A começar que a dramaticidade bressaniana é altamente elaborada, tanto do ponto de vista concepcional quanto expressional, conforme binômio propugnado por Hegel.

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Ao contrário, pois, da obra de Nélson Rodrigues, confrangida quase sempre em estreitos limites conceituais, a de Bressane finca suas raízes nos arquétipos universais mais autorizados da criação artística - não de simples recriação, como dito - fundamentada na estrutura psicossomática mais profunda, geral e permanente do ser humano.

E o faz mediante construção estética na qual a narrativa apresenta alto grau de sutileza, refratária à apelação usual no tratamento dessa temática.

Se os protagonistas das histórias que cria perdem-se em atos violentos contra seus entes próximos ou contra si próprios, a motivação que os leva a essas atitudes drásticas - inimagináveis num contexto familiar - e a criação cinemática dos fatos não descambam para descontrole emocional patológico, mantendo domínio de seus elementos deflagradores tanto quanto das circunstâncias em que se desenrolam e das modalidades que assumem.

Há um fio condutor comum a todas essas ocorrências, seja a insatisfação sexual e convivencial da personagem casada que se isola com a amiga em sua propriedade de recreio e lazer; seja a procura de satisfazimento sexual emocional da jovem com sua amiga; ou, ainda, o ambiente sufocante do lar do assassino dos pais e a constante irritabilidade de seu pai; ou, finalmente, o paroxismo revoltoso do marido relapso face às invectivas agressivas da esposa.

Essa constante detectada em todos os episódios apresenta, no entanto, características próprias em cada caso, não obstante seu extravamento paroxístico e violento, condição ou peculiaridade da espécie humana quando submetida a graus diversos de pressão e contrariedades viscerais, nos limites e circunstâncias da formação e estrutura pessoal das personagens, como, aliás, nem poderia deixar de ser, já que todo ser humano constitui pequeno mundo que se articula, nos relacionamentos e convivências, com outros micro mundos semelhantes.

Ressalta-se no filme, além disso, a economia da construção ficcional, sintetizando em poucas cenas a ambiência comportamental, convivencial e conflitiva das personagens, perfeitamente contextualizada.

Por fim, o jovem que assassina seus pais vai ao cinema assistir “Perdidos de amor” (1953), dirigido por Eurídes Ramos, com argumento de J.B. Tanko, película que possivelmente indica (a conferir) a chave ficcional (ou uma delas) do filme ora comentado. (do livro “Seis cineastas brasileiros”. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2012)

> Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia “Dimensão” de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura (poesia, ficção e crítica literária), cinema (história e crítica), história (do Brasil e regional)

> Leia na página Obras-Primas do Cinema Brasileiro toda segunda-feira novo artigo

Por Assessoria de Comunicação  –  contato@olhovivoca.com.br

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