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Olhar Pop

Cláudio Alcântara

claudioalcantaravr@hotmail.com

Teatro/ Nasce Uma Cidade - Cidadãos Arquitetos da Memória

Quatro horas de resistência em forma de arte

Surpresas se sucedem a cada uma das nove cenas; um trabalho grandioso, complexo, lírico; uma apoteose de talentos - alguns em menores proporções

Crítica  –  12/11/2014 10:47

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(Foto: Divulgação/Fábio Soares)

Cena 4: "Zona gerótica: A Beira Rio se personifica"

> Leia também: A história renasce nas ruas de Barra Mansa 

Tarde de sábado. O sol sorrindo no mar de céu azul. As ruas de Barra Mansa mostram o pulsar de mais uma semana que chega ao fim. O Parque Centenário ganha cores e formas das mais diversas. E sons que dialogam com a natureza naquela pequena ilha cercada por uma selva de pedras. Vendedores ambulantes, jovens, crianças e idosos dividem democraticamente o mesmo espaço com artistas das mais variadas escolas. E esse conjunto, esse complexo mundo que se criou e foi gestado ali, naquele momento, sente as primeiras contrações. A cultura vai parir uma nova história. Um parto conduzido pelo Coletivo Teatral Sala Preta. Cansativo, quatro horas. Mas que pinta nos lábios de cada artista e do público um riso provocado pelo recém-nascido, ou renascido: "Nasce Uma Cidade - Cidadãos Arquitetos da Memória".

Sou recebido com aquele sorriso largo estampado no rosto de Bravo, o diretor de produção do espetáculo. A voz grave traz o gesto gentil e um beijo no rosto. O seu entusiasmo, e o de todos os envolvidos no desfile-cênico, contagia o público e desperta a curiosidade. O que está por vir? Teatro de rua? Um concerto de música pop, como só os grandes astros sabem fazer? Surpresas se sucedem a cada cena. É um trabalho grandioso, complexo, lírico. É uma apoteose de talentos - alguns em menores proporções. O conjunto, o olhar macro supera os pequenos deslizes.

As nove cenas do "Nasce" são homogêneas em suas construções. Em "És tupi do Brasil: Comei-vos uns aos outros na nossa Timburibá" foi como se eu dialogasse mais uma vez com Clécio Penedo. Falasse de arte, de como é importante tocar as pessoas com aquilo que temos de melhor: a nossa essência. As obras de Clécio ganharam movimento, porque vida elas sempre tiveram.

Do Parque Centenário para o Corredor Cultural, fachada frontal do Palácio Guapi, "Pé 40 sapato 38: Retratos da elevação de uma vila" conduziu o público para um encontro com o que há de mais teatral do "Nasce". É nessa cena que o espetáculo apresenta um dos melhores momentos musicais, "Ijexá do vamo entrar". Impecável. Cortando o Palácio ao meio, chega "A cidade do homem nu: Flávio de Aiuruoca e a Barra Mansa do futuro", talvez a cena que menos consiga se comunicar perfeitamente com o público, por carência de ritmo preciso.

E somos apresentados à "Zona gerótica: A Beira rio se personifica", na Rua Presidente Vargas. É a senha para Leo José, interpretando Jociléia Matiolli, mostrar todo o brilho que há na arte de se travestir. De lá para a piscina do Clube Municipal, onde é encenada a "Chegada da trupe e pool party do intervalo". Tudo muito bonito e contagiante, mas senti que a Princesa Isabel de Daiana Damião carece de mais força introspectiva. Soa superficial a sua interpretação.

Na cena seis, "A Trupe Palácio Trepidante coloca o Baralho Imperial na mesa", é que o "Nasce" se torna explicitamente crítico. A esquina da Rua Juiz Antônio Ciani vira palanque, no bom sentido da palavra. Ali senti uma pontinha de decepção pelo desempenho de Suzana Zana. Já "Corpo sem cabeça: O padroeiro linchado", na Plataforma FCA, serve de preparação para a mais emocionante de todas as cenas: "Estação Memória: A chegada do menino Clécio". A execução é simplesmente perfeita, uma mistura exata de técnica e emoção.

No encerramento, na Fazenda da Posse, "A pajelança da posse do deus morto" não poderia fechar tão delicado e impactante espetáculo de forma melhor. Exaustos, artistas e público brindam em uníssono a arte de fazer arte. Nascemos, renascemos. Todos.

> Sala Preta - Endereço: Avenida Joaquim Leite, 604/208. Centro, Barra Mansa. Telefone: (24) 3323-1397. Site. E-mail: salapreta@gmail.com

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Por Cláudio Alcântara  –  claudioalcantaravr@hotmail.com

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