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Cláudio Alcântara

claudioalcantaravr@hotmail.com

"O Cavaleiro de Nada"

Elisa Lucinda lança livro sobre Fernando Pessoa

Em seu primeiro romance, a poeta, atriz e cantora conta a história do homem que ela encontrou, ao ligar a alma dele às circunstâncias de vida do escritor

Livros  –  05/05/2014 12:51

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(Fotos: Divulgação/Vantoen P. Jr.)

"O grande prazer foi escrever a partir do território do coração dele, desde lá de dentro
daquela alma, sem nenhuma voz narradora a não ser a dele, que era também minha"
 

"Quando terminei o livro, pareceu que estava voltando de uma grande viagem. Fernando Pessoa é um país, um continente, uma pátria da qual, depois de percorrê-la, a gente retorna muito diferente. Sou mais rica hoje". Elisa Lucinda lançou o seu primeiro romance, "Fernando Pessoa, o Cavaleiro de Nada", dia 29 de abril, na Travessa do Leblon (Shopping Leblon), no Rio. E amanhã, 6, fará o lançamento em São Paulo, na Livraria da Cultura Conjunto Nacional, na Paulista. 

Poeta, atriz, jornalista, professora e cantora, Elisa nasceu em um domingo de Carnaval, em Vitória do Espírito Santo. Seus livros de poesia "O semelhante" (1994), "Euteamo e suas estreias" (1999) e "A fúria da beleza" (2006) já venderam, juntos, mais de 20 mil exemplares e foram transformados em espetáculos pela atriz. Com o monólogo "Parem de falar mal da rotina", a multiartista excursiona, desde 2002, pelo Brasil e pela Europa, sempre com plateias lotadas. Nas palavras de Nélida Piñon, Elisa "tem a linguagem em chamas". São 16 livros publicados. Ensina a sua arte de dizer versos na Casa Poema (RJ), e itinerantemente por onde passa. 

Confira a entrevista com Elisa Lucinda 

Como foi o processo de criação do seu primeiro romance, "Fernando Pessoa, O Cavaleiro de Nada"? 

Escrevi em primeira pessoa e fui uma coisa que eu gosto muito de ser, narrador e personagem ao mesmo tempo. Emprestei-me a ele para ser protagonista de uma história que não é minha, mas que eu acreditei como minha toda vez que eu abria a janela para criá-la. Quando terminei o livro, pareceu que estava voltando de uma grande viagem. Fernando Pessoa é um país, um continente, uma pátria da qual, depois de percorrê-la, a gente retorna muito diferente. Sou mais rica hoje. 

Foram três anos de trabalho no livro? Como você conseguiu conciliar com suas outras atividades? 

Na verdade, comecei a escrevê-lo em 2009 mas interrompi o processo para publicar o "Parem de falar mal da rotina". Publicado aquele retornei ao Fernando e agora ele está aí. Fazendo tanta coisa como faço, esta é uma excelente pergunta. Todos querem saber a que horas escrevo. Às vezes em que pude, quando a minha agenda assim permitiu, fiquei exclusivamente dedicada uma semana inteira e isto aconteceu três ou quatro vezes na minha casa de praia e num spa. Mas, em geral, eu tive sempre dentro do processo de pesquisa, era um período onde eu tinha um acesso permanente a esse insight subjetivo na minha cabeça. As coisas que estavam acontecendo comigo na vida real, muitas delas eu aproveitei para a ficção de alguns acabamentos dessa biografia romanceada. Estava tão conectada com a obra que todas as outras atividades e tudo que ocorria nelas acabavam por servir de alguma maneira ou de outra ao livro.

Além do mais, o que eu gostava mesmo, e esse tem sido meu método preferido, era de ditar o livro. Taís do Espírito Santo é muito craque nessa dupla comigo e sua digitação acompanha bem a velocidade do meu pensamento, então, eu pesquisava no avião, nos camarins, nas viagens, lendo, conhecendo as coisas da vida desse cara e sentava no escritório ou no meu quarto, ou na praia com a Taís e falava: Vamos fazer o capítulo tal? Muitas vezes era a expectativa dela que me fazia seguir o capítulo no outro dia com mais tesão e mais confiança naquela narrativa, porque ela se tornou uma leitora da confecção, uma primeira leitora. Aí me perguntava no outro dia: Nós vamos continuar ditando o "Últimos navios" hoje, será que ele volta logo para Portugal? Eu achava um luxo, como se fosse uma confirmação de que estava no caminho certo. Parecia que estava escrevendo uma novela. Foi lindo escrever esse livro. 

É uma autobiografia romanceada do autor. Você tem total simbiose com a poesia. Foi difícil mergulhar nesse novo gênero? 

Não, não foi difícil porque prosa e poesia compõem minha escrita de uma maneira muito orgânica, minha poesia sempre foi muito proseada e minha prosa cada vez mais se mistura com a poética. O grande prazer foi escrever do território do coração dele, a partir de, dentro daquela alma, sem nenhuma voz narradora a não ser a dele, que era também minha. Uma delícia. O desafio foi fazer aquilo, alcançar o esplendor de linguagem que ele tem, estar à altura dele sem ferir sua estética e sem deixar de contar bem a história. Espero ter conseguido.

Os primeiros leitores estão fazendo já relatos emocionados. Alguns dizem que, como acontecem com os meus espetáculos, há momentos de graça e de emoção que se alternam ciclicamente na obra. Por enquanto não tenho certeza do que eu fiz, vamos aguardar a opinião do público. É ele que vai dizer se a peça é boa, né? Se aquela arte o agradará. Talvez esse projeto pareça muito ousado aos olhos dos outros, mas eu era uma criança inocente dentro daquele homem brincando no pátio daquele coração e daquela cabeça doida. Acho que as palavras do Leminski podem me descrever agora: "Não sabendo que era impossível, foi lá e fez". 

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"Tramei meu texto ao dele, e o que é dele está sempre em itálico; queria, além de
respeitar sua autoria genial, atrair o leitor para conhecer ainda mais a obra desse gênio,
com essas gotas, essas citações que estão presentes no livro inteiro"

Por que a escolha de Fernando Pessoa? 

Foi uma sugestão do Pedro Almeida, editor de São Paulo, meu amigo maravilhoso e que me encomendou uma biografia pequena de iniciação de alguns escritores da literatura universal para crianças. Mas quando comecei a fazer virou para adulto e ficou para adulto. Ele quis começar por Fernando porque sabia que eu o amava. Sabia que a minha alma de poeta iria se empenhar logo em contar a vida de um outro que eu admirasse. Essa encomenda é tão querida para mim que se tornou tão importante quanto um sonho meu. Se transformou num sonho meu. 

Nessa loucura toda de escrever um livro e ainda fazer mil outras coisas, teve algum momento dramático, do tipo: Vou parar com tudo... 

Teve um vou parar de escrever porque saiu um outro livro sobre ele, uma quase autobiografia, do José Paulo, e era um pouco o subtítulo do meu livro até então, uma autobiografia não autorizada. Fiquei no maior desestímulo, achei que iam achar que eu estava copiando ele, achei que a obra dele parecia com a minha e perdi completamente o tesão. No entanto, o pai do meu filho, Zanandré Avancini, que era uma das poucas pessoas que estavam acompanhando o desenrolar do livro, já tinha lido os três capítulos já escritos, começou a insistir que eu continuasse, e mais, que eu lesse José Paulo, que era uma pesquisa profunda, que eu devia usar aquele livro dele como fonte, que o que ele tinha feito não tinha nada a ver com a obra que estava fazendo, a tudo essa boa alma invocou para que eu não desistisse e, não satisfeito, me deu o tal livro de presente.

Achei interessante. Faz uma pesquisa muito rigorosa e eu confirmei várias dúvidas e achei várias respostas dali para fatos dos quais eu precisava ter certeza. Aí eu quis voltar, mas tinha que estudar muito o processo heteronímico e o modernismo português para continuar, então veio Geovana Pires, minha parceira lírica me aconselhou a ir logo escrever a morte, último capítulo, já que estava estudando a doença que o matou e talvez estivesse muito preparada para compor essa cena.

Foi o que eu fiz, escrevi a morte voltei para os capítulos que faltavam e graças a João Paulo e seu minucioso trabalho eu tive clareza do que eu estava fazendo e do apito que estava tocando dentro de tudo que se escreveu sobre ele até hoje. O mundo Pessoano é imenso. 

O que o leitor vai encontrar no livro? E o que você queria ao escrevê-lo? A arte é um trabalho aberto, e cada pessoa a recebe de uma forma. Você sempre esteve preparada para isso? 

Não sei se sempre estive preparada e nem sei se sou preparada, mas gosto do ser humano, vivo estudando-o. Minha experiência como poeta vem me provando como se usa as palavras dos poetas para representar outras vidas, outras histórias. A humanidade usa os versos de outros autores para ilustrar a compreensão da sua própria existência. Gosto disso. Sendo fiel a mim e aos meus sentimentos, às minhas escolhas estéticas, eu consiga ao mesmo tempo ter a honra de ter um verso que sirva ao meu semelhante, que dê voz a quem não tem. E a quem tem também. Portanto, o leitor vai encontrar nesse livro a história do homem que eu achei ligando a alma dele às circunstâncias de sua vida. Muitos acham que conhecem Fernando Pessoa e conhecem mesmo muito da obra, tentei escrever a biografia entre a obra e os fatos reais desse personagem. Tramei meu texto ao dele, e o que é dele está sempre em itálico; queria, além de respeitar sua autoria genial, atrair o leitor para conhecer ainda mais a obra desse gênio, com essas gotas, essas citações que estão presentes no livro inteiro. 

Que análise você faz do mercado editorial atual, nacionalmente e mundialmente falando? Em que evoluímos? Existem pontos negativos que podem ser melhorados? A internet tem que papel nisso tudo? 

Eu sinto falta de mais apoio à literatura brasileira, mais incentivo à nossa literatura dentro do nosso país. É difícil para qualquer autor brasileiro, fora Paulo Coelho, concorrer com Sidney Sheldon até hoje. A gente tem dificuldade em traduzir nossa obra assim por nós mesmos, sem que a editora ou um agente preste essa assistência. Eu, por exemplo, não sei fazer isso. O João Polessa Dantas está fazendo a tradução do Fernando Pessoa, mas é a primeira vez que uma obra minha vai ser oficialmente traduzida mesmo eu tendo tanto público na Europa e na América Latina. 

A outra coisa é que eu acho muito tímida a abordagem midiática que a editora faz de um livro. Estou inclusive num momento muito feliz com a minha, porque eu e toda a equipe do editorial acabamos por formar um time coeso e dedicado para que esse livro saísse, lindo como ele está. Estou falando do objeto-livro, físico, por sinal ricamente ilustrado pela maravilhosa Tita Nigri, com quem já havia tido uma feliz experiência na estética da "Fúria da beleza". E esses não pouparam esforços para a gente fazer um lançamento com a repercussão que esse está tendo. Foram cinco horas de autógrafos, leituras de trechos com Glória Pires, Miguel Falabella, Mano Melo, Amir Haddad, Juliano Gomes, Márcia do Valle, Paulinho Moska, Geovana Pires e eu, sem contar o booktrailler que a editora realizou com Fabricio Boliveira, Dira Paes, Emicida, todos lendo o trecho do livro e dando seus depoimentos sobre a importância da leitura. Vamos ter bus door e outras iniciativas e isso é um ganho imenso, mas ainda assim é pouco. Há um longo caminho a se percorrer. Com tudo isso a campanha do bombom na Páscoa nos vence. 

Veja o booktrailler 

Nunca vi livro pendurado na loja no lugar de ovo de Páscoa, como disse Fabricio Boliveira, não temos um grande dia para se dar livro de presente, não se dá livro de presente porque não fazemos propaganda dele, na televisão e em toda a parte. Ninguém incentiva a compra de livro aqui. Passa Dia dos Namorados, Dia das Mães, e é muito tímida a nossa propaganda desse nosso produto tão importante para o mundo, qualquer cerveja e qualquer refrigerante se vende melhor e se distribui melhor do que nós. 

A internet é muito poderosa, no lançamento do Rio não sei quantas pessoas tiveram nas livrarias, mas eu acho que umas 200 ou mais, e a maior mobilização foi via internet. As redes sociais estão andando por si, estão tornando obsoletos esses jornais que estão aí, precisamos buscar um jornalismo profundo, analítico, porque a vida online leva o jornal a dar notícia velha, a meu ver ele vai ter que aprofundar sua função ou então vai parar de existir. 

Estamos fazendo uma campanha que nasceu com esse livro: Eu também quero ler, a passagem mais barata do mundo. #eutbqueroler, nessa página que em menos de 24 horas já tem mil curtidas, você posta o que você está lendo através de foto, vídeos, artigos, depoimentos, o que quiser sobre a função da literatura da sua vida, testemunhos virtuais de quanto as palavras têm poder de nutrição em cada enredo, em cada coração de leitor. Puxei a campanha a partir do meu livro, mas você pode postar o que quiser, do livro que quiser, a ideia é ter uma campanha que incentive prazerosamente a pessoa a ler. Isto não pode ser uma ordem: leia. Há algumas ordens que, principalmente no Brasil, dá vontade de desobedecer. O mercado editorial e o Brasil têm que entender de uma vez que literatura é arte, que o escritor é tão importante quanto qualquer outro artista, seja este pintor, ator ou cantor. O escritor pega a palavra e com ela nos leva até pra fora do planeta. Não basta ser só alfabetizado para ser escritor. Há uma magia a se exercer com a linguagem.

Além do lançamento em 29 de abril, na Travessa do Leblon, com leituras, você pretende fazer outras noites de autógrafos? 

Farei dia 6 de maio em São Paulo, na Livraria da Cultura, na Paulista, e vou fazer no começo de junho, em Vitória do Espírito Santo. Em todos quero fazer uma coisa muito linda. Até o final do primeiro semestre quero ter feito também em Salvador, Porto Alegre e Belo Horizonte, no mínimo. 

Projetos. O que vem por aí? 

Muitas coisas. Mas agora, nesse momento, além de tocar meus projetos da Casa Poema, Versos de Liberdade e mais o Palavra de Polícia, outras armas; eu quero lançar o "O Cavaleiro de Nada" para o Brasil todo, em todas as capitais, em todas as feiras que eu puder, depois quero levar para Portugal, para as Áfricas lusófonas. Ah, estou animadíssima, acabei de ter "neném", só penso nele.

Serviço 

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> Fernando Pessoa, o Cavaleiro de Nada - De Elisa Lucinda | 416 páginas | Preço: R$ 55 | Editora Record. Contato: Produção Casa Poema (producaocasapoema@gmail.com). Telefones: (21) 2286-5976, (21) 2286-5977 e (21) 9- 8793-1893.

Edição impressa

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Por Cláudio Alcântara  –  claudioalcantaravr@hotmail.com

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