(Fotos: Divulgação)
AlexL: “Eu levei oito anos produzindo o CD, pensando em todos
os detalhes para fazer um disco que Eu queria ouvir, mas não existia”
Alexandre Loureiro, mais conhecido como AlexL, é carioca, interessado apaixonadamente por música desde criança, tocou em algumas bandas e em 2004 lançou o CD “Triz”, que a meu ver é uma obra-prima do rock progressivo nacional. O álbum entra na minha lista de “Discos Fundamentais” e em breve falo dele com a devida calma. Confira a maravilhosa entrevista que AlexL, músico genial, me deu:
Márcia: Gostaria que você contasse quando começou o seu interesse pela música.
AlexL: Começou com o aspecto social e lúdico. Via uma prima mais velha tocando violão em roda de amigos (ela nem tocava grande coisa...) e tive vontade de aprender a tocar por conta disso. Eu devia ter uns 8 ou 9 anos, mas só aos 13 eu comecei a ter aulas. Na época minha cultura musical era quase nada. Acho que só conhecia as músicas do “Vila Sésamo”, “Sítio do Pica-pau Amarelo”, um disco infantil do Trio Irakitan (um de meus preferidos até hoje!) e o “Horizons”, dos Carpenters. Até essa idade, eu e as torcidas do Flamengo e do Corínthians achávamos que eu seria desenhista quando crescesse, o que nunca aconteceu: nem me tornei desenhista e nem cresci (risos). Depois que me envolvi com a música, praticamente deixei o desenho de lado e hoje desenho como uma criança de 14 anos... Pelas mãos de minha professora (hoje minha comadre...) comecei a tocar violão num grupo de jovens de uma igreja católica. Lá, comecei a aprender o básico de notação musical e a tocar flauta-doce com um amigo (que depois veio a casar com essa professora!). No Natal de 1980 eu conheci o ABBA num especial de televisão e comecei a colecionar os álbuns do grupo. Lendo os créditos dos discos comecei a me interessar em saber qual a diferença entre acoustic e electric guitar, que diabos era um synthesizer etc... Em 1981, conheci Earth, Wind & Fire através de colegas da escola. Comecei a ouvir rádio nesse ano e foi na Antiga Antenna 1 FM (na época totalmente main stream...) que descobri “No reply at all”, do Genesis. No Natal desse ano, ganhei o álbum que continha essa música (ABACAB). Lembro-me que o ouvia pouco, mas sempre com muita curiosidade e prazer. Já era um disco bastante pop, mas foi a porta de entrada para o resto do repertório da banda e, a partir disso, para o progressivo. No início de 1982 comecei a estudar música mais seriamente na Escola de Música Villa-Lobos e em meados desse mesmo ano conheci a Rádio Fluminense FM, que abriu um enorme portal para mim. Eu passava o dia todo ouvindo a rádio, anotando o nome das músicas e correndo atrás dos discos. Apesar de dar aulas de violão desde os 14 anos, foi só aos 23 que me assumi como músico profissional (afinal, todo dinheiro que ganhava era com música...). Mas acho que isso já foge da pergunta original...
Márcia: Você se graduou em música e logo começou a tocar profissionalmente, sua primeira banda foi a Agapé, depois a Raika e a Turangalila, sendo essa última considerada muito inovadora nas apresentações e com repertório experimental. Pode falar um pouco de cada uma das bandas.
AlexL: Façamos uma organização cronológica:
1 - Final de 1990: Comecei a tocar profissionalmente num bar, convidado por um amigo tecladista (Maurício Durão). Lembro que meu primeiro baixo não estava nem pronto (faltava a parte elétrica). Eu conectei um plug direto nos fios dos captadores para poder ligar um cabo ao amplificador.
2 - Início de 1991: Formei o Ágape com meu grande amigo, padrinho e afilhado de casamento, o baterista Henrique Ludgero, Helvécio Parente nos teclados e piadas infames (conheci-o na durante a inscrição nas disciplinas do curso de comunicação da UFRJ) e Márcio Meirelles (amigo do Helvécio) na guitarra. Por conta da irresponsabilidade e falta de dedicação do Helvécio, a banda nunca passou dos ensaios, teve vida curtíssima, mas grande importância para mim, pois foi de onde começaram a surgir as músicas do Triz.
3 - Segundo semestre de 1991: Sou convidado pelo Henrique a assumir o baixo (e uns raros backing vocals) de uma banda de faculdade que, logo após a minha entrada, viria a se chamar Raika. Oitenta por cento do repertório da banda era autoral, mas, pelos covers que fazíamos, dá pra ter uma ideia do som do grupo: Rolling Stones, Led Zeppelin, The Who, Deep Purple, Janis Joplin etc. Durante quase um ano eu me coloquei como músico convidado. Não dividia a grana dos ensaios, não dava muito pitaco etc. Depois que me botaram contra a parede, acabei assumindo a posição (e as despesas...) oficialmente. Depois de mais de uma década do fim da banda, ainda somos grandes amigos e nos encontramos sempre nos aniversários dos integrantes e (agora) dos filhos desses...
4 - 25 de dezembro de 1991: Sou convidado pelo baixista Lôis Lancaster a entrar para o Turangaila (até hoje ligo para ele no Natal para agradecer pela oportunidade...). Originalmente eu tocaria baixo junto com o Lôis, mas comecei a sugerir um teclado aqui, um bandolim ali, uma flauta-doce acolá e no fim das contas só houve um trecho de uma música da banda onde nós dois tocávamos baixo elétrico juntos... Apesar de ter colocado todo meu repertório de lado, o som do “Turanga” (para os íntimos...), numa descrição, seria bem parecido com o meu. Uma mistura de Gentle Giant com Frank Zappa, com muitas doses de Arrigo Barnabé, Stravinsky e Messiaen. Se você ouvir o trabalho do grupo americano Yezda Urfa, terá uma ideia bem aproximada de como a gente soava. Todo mundo cantava e tocava um monte de instrumentos. Viramos referência no underground. Vi uma banda citar no seu release influências de Emerson, Lake & Palmer, Yes e Turangalila! Mas o mais incrível disso tudo é que nunca gravamos nada e só fizemos um show e meio (o “meio” foi numa sala de aula na Faetec, dividindo o evento com o Zumbi do Mato marcando a entrada do Lôis para os vocais desse grupo). O pessoal marcava ponto em Jacarepaguá na casa do baterista Luciano Callado para assistir a nossos ensaios. O pessoal da banda Leprechaun (que nunca ouviu nosso som) chegou a zoar a gente, chamando o Turangalîla de banda platônica...
5 - Segundo semestre de 1993: Com a saída de Luciano Callado, Márcio Meirelles (que havia sido do Ágape, lembra?) e todo seu equipamento, o “Turanga” fica totalmente desfalcado e é forçado a suspender suas atividades.
6 - Início de 1994: Peço a transferência do curso de comunicação para o de composição na Escola de Música da UFRJ.
7 - Meados de 2003: Termino minha graduação depois de oito anos e meio (um ano e meio a mais do que o previsto).
8 - Início de 2007 a meados de 2010: Fiz o mestrado em composição na mesma escola.
Márcia: Quando o álbum “Triz” começou a nascer?
AlexL: Os primeiros rascunhos surgiram por volta de 1987, quando eu estava cursando violão na então Faculdades Integradas Estácio de Sá. Mas começaram a se alinhavar na época do Ágape.
25 de dezembro de 1991: AlexL é convidado pelo
baixista Lôis Lancaster a entrar para o Turangaila
Márcia: O processo de gravação do álbum “Triz” foi grande, envolveu muitos músicos, fala como foi trabalhar com tantos músicos convidados.
AlexL: Alguns eram convidados e outros eram contratados mesmo. Eu criei todos os arranjos num W-30 (sampler/sequencer). À medida que ia gravando, ia “mutando” os canais de MIDI e colocando-os com instrumentos de verdade. Quando acabei minha parte, comecei a chamar músicos para fazer outras coisas. Inicialmente ia deixar muita coisa sequenciada, mas aos poucos fui gravando tudo (inclusive xilofone, violinos e cellos). Eu chamava as pessoas (até os amigos) e perguntava: “Quanto você me cobra pra gravar isso?”. Alguns me cobraram, outros fizeram de graça, e outros por uma pizza (risos). Um caso especial foi o Artur Andrés, do Uakti. Eu era fã do grupo e os conhecia de uma discreta tietagem que fazia sempre que eles tocavam no Rio de Janeiro. Quando escrevi “Limites”, dei as partes de flauta para um colega, Igor Levi, fazer. Nelas eu pedia explicitamente um improviso “no estilo do Uakti: notas graves e longas, muitas 5ªs e fundamentais*” etc. (*isso são termos musicais mas coloquei aqui só para ilustrar). O Igor estava atolado com gravações do disco de sua amiga Cristina Braga (Você conhece alguma harpista? Provavelmente é a Cristina...) e me enrolou por um bom tempo. Pediu desculpas e disse que se eu quisesse chamar outra pessoa ele não ficaria chateado. Pensei: “Por que não chamar o próprio flautista do Uakti?”. Mandei um e-mail pro cara e ele aceitou prontamente. Pediu desculpas ao perguntar se haveria cachê (disse que o Uakti estava sem tocar um bom tempo e que a distribuidora de seus discos no Brasil tinha dado um calote memorável no grupo) e saiu da gravação elogiando o trabalho, o estúdio e ainda me deixou de presente um disco que tinha lançado num duo com sua mulher. Foi o dinheiro mais bem gasto de todo o projeto (risos).
Márcia: “Triz” é um álbum conceitual, isso aconteceu naturalmente ou você quando pensou o disco determinou que assim seria?
"Com o advento do mp3 já não dá pra ganhar dinheiro com CD"
AlexL: Quando tinha sequência umas seis músicas do álbum, pensei: Seria legal se um lado do disco durasse exatamente o mesmo que o outro. Assim, se estivesse num cassete, bastaria virar a fita no fim do primeiro lado que estaria no ponto para o segundo...” (isso é pra você ver como a ideia do álbum é velha!). Quando comecei a escrever as letras, percebi que em várias delas o tema “tempo” era recorrente, sob vários aspectos. A partir daí, a ideia do conceito ficou mais forte. Decidi que ele teria 12 faixas (uma pra cada hora de um relógio) e que duraria exata e precisamente uma hora. Por conta disso, a faixa “Relatividade” só foi composta depois de ter mixado todas as outras. A última, “Enfim...”, também seria uma música de verdade, mas só me sobraram sete segundos para fechar uma hora e tive que improvisar com aquela brincadeira de rádio relógio...
Márcia: O sucesso do álbum foi enorme, um disco muito bem tocado, elaborado e com uma grande qualidade. Esse sucesso foi o que você esperava?
AlexL: Dentro do público de progressivo foi sim. Mas me surpreendeu a aceitação pelos fãs do Clube da Esquina e por pessoas que não fazem a menor ideia do que vem a ser progressivo. Eu levei oito anos produzindo o CD (fora todos os anos que levei para compor as músicas...), pensando em todos os detalhes para fazer um disco que Eu queria ouvir, mas não existia. Fiquei muito feliz ao ver que a maioria das pessoas tinha uma percepção das músicas igual à minha.
Márcia: Lembro que uma vez, logo que nos conhecemos, falei que havia adorado sua música progressiva e você disse que não era progressivo, embora tenha influências do gênero. O que é a sua música?
AlexL: “Alexandrina”... É difícil rotular. Esse álbum, em particular, pode até ser vendido como uma MPB progressiva, mas não daria para usar o mesmo rótulo nas outras coisas que fiz/faço. Quer experimentar? Como você classificaria a música do Zappa?
Márcia: Está trabalhando em um novo projeto? Caso esteja, pode falar dele?
AlexL: Estou tentando, mas com o advento do mp3 já não dá pra ganhar dinheiro com CD. Para você ter uma ideia, apesar de todas as críticas elogiosas que recebi de tudo quanto é parte do mundo (bem, tem uma em holandês que até hoje não sei se o cara gostou ou não), eu não consegui nem bancar a produção do álbum (cerca de R$ 19 mil). O dono da gravadora que distribuiu meu CD vive me cobrando uma segunda prensagem, mas não dá pra gastar mais R$ 4 mil para ficar vendendo dez CDs por ano para amigos e alunos, já que quem quiser consegue achar um mp3 piratão na internet. Se eu não conseguir montar uma banda, ensaiar durante um mês, arrumar algum espaço legal pra fazer shows e lotar o evento, não dá nem pra pensar em começar. Por conta disso, tenho de trabalhar em horário integral e encher meu tempo livre de freelas. Com um garoto de 4 anos em casa e outro com uma semana de nascido, meu tempo livre para compor ou gravar novos projetos acaba ficando limitado a uns 15 dias por ano... A última vez que contabilizei, tinha 81 músicas para produzir nove álbuns diferentes, fora o do Raika e o do Turangalîla. Fico escolhendo um, cujo projeto seja mais viável, para ver se consigo bancar os seguintes, mas a expectativa é realmente deprimente... Dois desses projetos são de música de concerto que, aqui no Brasil, só é viável bancada por leis de incentivo, já que quase ninguém compra. Comecei a gravar um trabalho quase todo acústico usando o arsenal de instrumentos que coleciono de toda parte do mundo: alaúdes árabes e turcos, sitar, sarod, santoor e outros indianos, charangos, flautas-doces, percussões etc. Pensei: “Dá pra ensaiar com uns cinco caras em casa pra não gastar com estúdio. Além disso, esse repertório ‘étnico’ dá pra tocar em centros de ioga e outros espaços alternativos”. Por outro lado, não dá pra gravar direito em casa porque os instrumentos são muito sutis e sempre vaza o ruído da rua. Paralelamente, comecei a compor material novo um pouco parecido com o do “Triz”. Posso juntar com o repertório do Triz e começar a divulgar esse trabalho novo antes de lançar o CD. Mas, para isso, vou precisar desembolsar alguma grana em ensaios... A última vez que botei na ponta do lápis, cheguei a conclusão que, para montar um show pequeno de uns 40 minutos, incluindo ensaios, técnicos de som e luvas para aluguel de um lugar para tocar, eu gastaria cerca de R$ 2 mil. Se arrumasse um espaço com 100 lugares e lotasse com ingresso médio a R$ 20 (caro para os padrões de bandas pouco conhecidas...) eu conseguiria apenas ficar no zero a zero...