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Blogueiros: Lucas Silva Hamu, do "Antologia Progressiva"

Estudante de 24 anos abandonou temporariamente seu blog para se dedicar a café, onde faz playlists para tocar

Música  –  21/02/2013 17:51

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(Foto: Divulgação)

"Acredito que em quem ouve boa música se germina naturalmente
uma consciência moral que se compromete com sua existência"
 

A série "Loucos por Música" é uma das melhores ideias que já tive, sem falsa modéstia. Um espaço para ouvir quem dedica um tempo grande de seu tempo em prol da cultura, da música e totalmente free, simplesmente pelo enorme prazer de compartilhar seu amor pela arte. Meu convidado de hoje é Lucas Silva Hamu, do blog "Antologia Progressiva". Ele tem 24 anos, estudante, mas um louco por musica!

Márcia: Como e quando começou a escrever seu blog? Qual era o objetivo e esse objetivo permanece o mesmo ainda hoje?

Lucas Hamu: Creio que tenha começado a escrevê-lo há uns quatro anos, e o mantive ativo postando semanalmente durante uns três anos. Bom, a razão de ter iniciado a escrevê-lo é simples: sentia uma forte necessidade de compartilhar minha experiência com a música, que na época constituía, em grande parte, nas minhas descobertas acerca do rock progressivo. Hoje tenho outras maneiras de me ocupar com a música e, respectivamente, outra forma de compartilhar minhas experiências e por isso abandonei (pelo menos temporariamente) meu blog. Hoje, tenho um café e dedico grande parte do meu tempo fazendo playlists para tocar nele.

Márcia: Quando começou já era "Antologia Progressiva" e por que escolheu esse nome?

Lucas Hamu: O nome já é autoexplicativo: pretendia fazer uma seleção de álbuns de rock progressivo.

Márcia: Como escolhe os álbuns para postagem? Suas escolhas são aleatórias?

Lucas Hamu: Não tinha nenhum critério fixo para selecionar os álbuns postados, escolhia todos a partir do que julgava ser bom, do que achava necessário permanecer no mundo. Minha predileção por rock progressivo determinava o domínio do que postava, mas, como podem perceber, já nas últimas postagens havia álbuns que percorriam diversos gêneros musicais.

Márcia: Já teve algum tipo de problema com gravadoras ou bandas ou teve álbuns deletados de provedores?

Lucas Hamu: Sim, algumas vezes. Nada de comprometedor, mas tive que retirar links para download de alguns álbuns.

Márcia: Você acredita que de alguma forma esteja prejudicando alguém com suas postagens, falando de direitos autorais?

Lucas Hamu: Essa é uma questão delicada, que me coloquei inúmeras vezes durante o tempo que mantive o blog. Creio que nunca prejudiquei ninguém. Mesmo que os músicos e os demais domínios que envolvem a produção musical dependessem da venda do material gravado, sempre achei que a disponibilidade que oferecia para downloads no meu blog não desobrigava a compra de CDs, LPs ou mp3. Talvez o mercado de massa seja realmente afetado pela pirataria, afinal, seu público não se compromete absolutamente com seu objeto de consumo. Ele representa a mera manutenção de uma atividade de "consumir" que, ademais, tem que se alterar continuamente para que o processo não se esgote. Acredito que para o público que frequentava meu blog, pessoas que mantêm uma postura ativa diante da música, a relação seja bem diferente. Há, contrariamente à relação que se tem com a produção musical de massa, uma postura de cuidado e respeito. Para quem gosta de música, "baixá-la" é apenas um primeiro estágio de uma relação muito mais ampla e durável. Além do fato de que muito dos links para download era o único meio viável de se conhecer aquele álbum, que é, ademais, a condição básica para que alguém se interesse por algo. Concretamente falando: acredito que em quem ouve boa música se germina naturalmente uma consciência moral que se compromete com sua existência.

Márcia: Qual é a importância de um blog dedicado à musica?

Lucas Hamu: Difundir conhecimento, proporcionar experiências, formar o gosto e, em última instância, constituir um mundo melhor! Parece exagero, mas, para mim, não é. A música é, sem duvida, a coisa mais importante da minha vida. Equivocadamente ou não, e por mais evangélico que seja, acredito que, compartilhando a experiência que tenho com a música, poderia enriquecer a vida das pessoas.

Márcia: A maioria dos internautas não deixa comentários de agradecimento, mas quando querem reclamar ou pedir sabem usar os comentários, isso te irrita?

Lucas Hamu: Sim, um pouco. Eu também deixo pouquíssimos comentários nos blogs que frequento e me envergonho disso. Por mais que a intenção de se fazer um blog seja algo interno, há sempre um desejo de que todo esse esforço que envolve manter um blog seja de alguma maneira assimilada por outros. Um blog é, acima de tudo, um meio de comunicação e a efetividade dessa intersubjetividade é sempre algo desejável.

Márcia: Faz ideia de quantos álbuns já publicou no blog?

Lucas Hamu: Mais de cem. Tentava manter uma regularidade de um post por semana.

Márcia: Acredita que haja competição entre certos blogs?

Lucas Hamu: De maneira nenhuma. Até mesmo entre blogs cujo conteúdo e intenção se assemelham em grau elevado, como é o caso de alguns dos blogs que aparecem nessa sua série, não há empecilho nenhum em coexistirem. Penso serem todos complementares, até mesmo a estrutura deles revela isso. Se vê continuamente citações de blogs "amigos", uma sessão exclusivamente para referências de blogs afins etc. Ademais, creio que os melhores frequentadores do meu blog eram também blogueiros.

Márcia: Você me disse que abandonou o blog já faz um tempo, o que o levou a abandoná-lo?

Lucas Hamu: Manter um blog não era, pra mim, algo trivial. A concepção de um post se originava muitas vezes durante outras atividades, porque o blog era algo que fazia parte da minha vida. Na medida que, naturalmente, minha relação com a música se desviou para outro plano, ficou cada vez mais difícil publicar nele. Finalmente, deixei de postar por falta de tempo ou preguiça.

Márcia: Sua coleção aconteceu por acaso ou desde o inicio você já sabia que era um colecionador?

Lucas Hamu: Não me considero um colecionador. Acho um pouco estranho a figura do colecionador: aquele que atribui mais valor ao estado de posse de um objeto do que ao sentido originário dentro do qual foi criado. Tenho alguns LPs e alguns CDs porque mantenho o hábito de comprar aquilo que mais me agrada num determinado momento, além, obviamente, dos arquivos digitais que tenho no computador. Mas o valor de posse desses objetos será sempre inferior ao fato de que no "interior" deles se encontra uma música.

Márcia: Quando começou a colecionar?

Lucas Hamu: Bom, deixando de lado minhas divagações, comecei a armazenar minhas músicas quando passou a ser algo importante escutá-las. A ideia de não poder escutar uma música quando eu quiser me é muito angustiante, por isso guardo com o maior rigor e cuidado minhas músicas. Especialmente os arquivos digitais que, por consequência da quantidade, exige muita disciplina e organização para arquivá-las. Todos os artistas são associados ao país de origem, todos os álbuns aos seus respectivos anos de lançamento, além de referências como gravadoras e créditos em geral nos outros espaços em que o arquivo digital permite armazenar informação.

Márcia: Sua coleção é de LPs, CDs, mp3 ou tudo junto?

Lucas Hamu: Tenho música em todos os formatos, mas me interesso prioritariamente por arquivos digitais e LPs. O primeiro, pela mera facilidade de acesso. Normalmente o arquivo digital é sempre o primeiro acesso à obra e, se me apaixonar, muitas vezes, também compro em LP. Minha preferência em LP com relação ao CD não se justifica no presente debate com relação à qualidade sonora. Não tenho um aparelho sonoro, nem mesmo ouvido, para julgar com precisão isso. Na verdade, nem mesmo me interessa muito qual o formato que proporciona uma reprodução mais complexa e fiel. Gosto de LPs pelo ritual que envolve seu uso e o modo de percepção que isso impõe. Colocar para tocar um LP envolve uma série de gestos que te obrigam a interromper o fluxo ordinário de sua rotina, há um valor ritualístico neste processo que nos elevam a outro grau de comprometimento com a música. Diferentemente da trivialidade em que consiste o apertar do botão "play" de um mp3, um evento entre outros, escutar um LP é sempre um acontecimento, isto é, um cuidado e dedicação permeiam essa atividade. Enfim, acho que o LP é um bom remédio contra o ritmo desenfreado da contemporaneidade.

Márcia: Sua coleção é só de rock ou outros gêneros podem entrar?

Lucas Hamu: No momento em que fui mais ativo na compra de LPs tinha uma grande preferência por rock progressivo, por isso a maior parte deles são do gênero. Mas, com relação aos arquivos digitais, há músicas de absolutamente todos os domínios. Meu único critério é a qualidade e, acredite, há músicas boas em todos os estilos, basta ter formação suficiente para ser capaz de assimilá-las. Tenho grande repúdio por "roqueiros", como por qualquer pessoa que se restringe a escutar um único estilo musical. Para quem gosta realmente de música não faz sentido manter tão pequeno seu domínio de experiências.

Márcia: E qual deles seria o mais estranho dentro da coleção?

Lucas Hamu: Bom, tenho, e gosto, de muita coisa que, praticamente, só eu gosto (pelo menos dentro do círculo de pessoas que constituem minhas relações sociais). Gosto muito, por exemplo, do início da produção musical eletrônica, da vanguarda paulista, do indie-rock experimental, da música sertaneja da década de 50, das produções vanguardistas japonesas da década de 70 etc. Ademais, o rock progressivo mesmo, com exceção das grandes bandas inglesas, é algo muito pouco assimilado. Bandas alemãs relativamente conhecidas como Guru Guru, por exemplo, é praticamente intragável para a maioria das pessoas.

Márcia: Qual álbum deu mais trabalho para encontrar?

Lucas Hamu: Não sei.

Márcia: Ainda tem uma lista grande de discos que procura?

Lucas Hamu: Não há uma grande lista, há projetos de pesquisas provisórios, certo domínio da produção musical que, sem saber muito bem a razão, me despertam grande interesse. Nesse mês me ocupei bastante pesquisando alguns álbuns produzidos por Norman Granz, álbuns indies de 2009 e também missas.

Márcia: Como costuma achar seus objetos de desejo?

Lucas Hamu: Quanto aos arquivos digitais busco em blogs, que, infelizmente, são cada vez mais raros, ou em torrent, além dos clássicos sites para se comprar mp3. Quanto aos LPs, os busco em loja na minha cidade e nas cidades em que viajo (já é parte do meu itinerário de viagem procurar lojas de LPs), ou em sites especializados. O meu preferido é a BTF, que relança álbuns de progressivo italiano e, recentemente, alguns álbuns ingleses também.

Márcia: Sua coleção é compartilhada no seu blog?

Lucas Hamu: É sim, não tenho nenhuma restrição em compartilhar as músicas que tenho.

Márcia: Pode citar algumas das raridades que tem em sua coleção?

Lucas Hamu: Não tenho nada muito raro. Os mais caros foram, por exemplo, a versão italiana mesmo do álbum de 1972 do Banco, ou talvez a versão inglesa, com capa dupla, do Electric Ladyland, mas acho que eles não são nenhuma raridade, são só álbuns caros mesmo! (risos)

Márcia: Sei que é uma sacanagem pedir uma listinha de álbuns favoritos, mas poderia fazer uma pequena lista com os dez álbuns que considera fundamentais em uma coleção. Lista comentada álbum a álbum, por favor!

Lucas Hamu: Bom, vou fazer uma lista de álbuns que conheci recentemente e que considero grandes obras:

1 - You Look Cold de Patrick Kelleher - Um conceito muito contemporâneo de indie-eletrônico, como os primeiros trabalhos de Sufjan Stevens, mas também me lembra algo do eletrônico alemão da década de 70 e algo do post-punk inglês da década de oitenta.

2 - D950 - Mass No. 6 in E flat major de Schubert - Uma obra absolutamente maravilhosa, como quase todas as obras finais de Schubert. É até difícil comentar...

3 - Op. 073 - Piano Concerto No. 5 in E-flat major do Beethoven - O último concerto para piano do Beethoven. É espantosa a liberdade com Beethoven compunha: apesar de inúmeras referências aparecerem constantemente, como Corelli ou seu próprio concerto para violino, trata-se de uma obra maior do que os limites do próprio romantismo. Gosto muito de como o piano duela com a orquestra e de como a delicadeza do seu som é triunfante.

4 - Za Bakdaz: The Unfinished Opera do Klaus Nomi - Desde a primeira vez que escutei Klaus Nomi fiquei profundamente impressionado, tratava-se do seu primeiro álbum, de 1982. O segundo e o terceiro álbum dele, apesar de muito bons, me deixou levemente decepcionado. Mas essa ópera, só lançada após sua morte, me surpreendeu novamente. Adoro o modo como características tão diversas coabitam sua obra: o pop oitentista, as vanguardas do final década de 70 e a música erudita se confrontam de forma muito inteligente.

5 - Return to the Sea do Islands - Um álbum muito completo. O que predomina é o caráter pop do indie, mas inúmeras referências são notáveis: algo das bandas inglesas da década de 70 como Stackbrige ou Beach Boys (que sei que não é inglesa), a leveza do jazz swing, às vezes lembra também bandas como Le Loup, as vezes Akron/Family. Enfim, um bom álbum.

6 - Christmas Cookin do Jimmy Smith - Pesquisei bastante álbuns de Natal, e os americanos em particular, por levarem o Natal muito a sério, produziram coisas excelentes. Os álbuns de Natal, em geral, expressam fortes sentimentos, algo de esperançoso e heroico, não sei bem, mas é perceptível que se trata de uma música natalina antes mesmo de reconhecer qualquer melodia clássica. Este é, na minha opinião, um dos melhores álbuns do Jimmy Smith, com uma orquestração impecável.

7 - A trilha sonora do Lost Highway do David Lych - Praticamente todas as trilhas do Lych são excelentes. Achei essa a melhor. Participam dela músicos como Barry Adamson, Lou Reed, Tom Jobim, além do Angelo Badalamenti, que fez várias trilhas para o Lynch!

8 - Kicking Against The Pricks do Nick Cave and The Bad Seeds - Pouco se precisa dizer de músicos como Nick Cave. É incrível que mesmo com uma produção extremamente vasta, ainda assim consiga manter tão alto padrão, sem mencionar sua aparições no cinema e na literatura. Este é um álbum só de cover, não conhecia quase nenhuma das versões originais, mas depois que conheci algumas delas permaneci preferindo a de Nick Cave.

9 - High Violet do The National - Um dos melhores álbuns dessa primeira década. Ou melhor, um dos álbuns que melhor expressa a tristeza (e não o tédio) da nossa época. The National é uma banda extremamente elegante e consciente, algo raro entre as bandas indies, mas também muito sensível e apaixonante.

10 - Ella Fitzgerald Sings The Duke Ellington Song Book da Ella e do Duke - Vale destacar a capacidade extraordinária da Ella assimilar as novas tendências que o jazz seguia na década de 50, o bebop. Bom, Duke Ellington é sempre bom, e quando não é bom ao menos é muito divertido!

Caso queira acompanhar a série "Loucos por Música", os já publicados são:

> Luciana Aum do blog ProgRockVintage > Cristian Farias do blog Eu Escuto

> Luiz Fernando Rodrigues dos blogs Envoyez-la e Eu Escuto > Bruno Costa do blog Eu Ovo

> Marcello “Maddy Lee” do blog Pântano Elétrico > Renato Menez do blog Stay Rock

> Romeu Corsino do blog Prog Resenhas > Tiê Passos do blog Difusor de som

> Eduardo Marins do blog Planeta Progressivo > Homem Traça do blog Criatura do Sebo

> Heldon Brazil do blog Progressivo-Vivo > Os seis meninos do blog Valvulado

> Dugabowski do blog Melofilia > Alex sala do blog Muro do Classic Rock

> David Marques do blog Bordel do Rock > Outran Borges Jr. do Octopusland e Contramão

> Edson D´Aquino do Gravetos & Berlotas > Menegon do Venenos do Rock

> Micas do blog Consultoria do Rock > Fernando Anselmo do In Memory of the Traveller in Time

> Robert do Hofmannstoll > M.S. Larbos do Le Grand Grotesque Circus

> Melo Machado do Baú do Mairon > Gäel do Natürlich Prog > Álisson Boeira, do Garagem do Rock

Por Márcia Tunes  –  marciatunes@gmail.com

1 Comentário

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  • Ullisses Campbell

    Se você admite não ter ouvido apurado o suficiente para perceber a diferença entre a reprodução analógica e digital, sinto lhe dizer: está perdendo tempo e dinheiro nos sebos da cidade em busca de vinis.