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Como Tudo Começou

A corrupção e o papel da Escola

Corrupção é um mal transmitido pela própria sociedade às novas gerações e a escola sozinha pouco pode fazer para conseguir expressivas mudanças

Educação  –  10/01/2019 12:20

 

O termo “corrupto” se originou do termo em latim corruptus que significa “destruir”, “estragar”, ou seja, é algo com grande capacidade destrutiva.

Popularmente passou a designar posteriormente a um crustáceo decápode (possuidor de 10 patas) com grande habilidade para a escavação e para se esconder nos buracos que faz verticalmente na areia fina das praias em que vive, próximos à linha dágua.

Seu nome científico é Callichirus major e pertence à família Callianassidae de um grande grupo no qual se incluem os crustáceos. Podem medir aproximadamente 20 centímetros de comprimento, um abdome com coloração amarelada e garras em forma de pinças sendo uma delas maior do que a outra.

Exatamente pela sua grande habilidade em escavar tocas para se esconderem, eles são difíceis de serem capturados. Alimentam-se de animais bem menores e também de matéria orgânica em decomposição que entram ou caem nos buracos escavados e que ficam expostos apenas durante a maré baixa.

Na maré cheia o crustáceo Corrupto se localiza na parte mais externa da toca e mais próxima à superfície, o que facilita a captura de suas presas ou captação de material orgânico.

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(Fotos Ilustrativas) 

Esse comportamento de realizar a predação de suas presas permanecendo camuflado em suas tocas sem ser visto por elas possivelmente inspirou o significado atual e figurado do termo “corrupto”, como sendo aquele que destrói a vida de indivíduos agindo de maneira sorrateira, covarde ou desonesta e particularmente egoísta.

Em especial, este novo significado normalmente também se refere aos servidores, políticos ou governantes que atuando em cargos públicos, silenciosamente prejudicam a sociedade com suas ações ilegais.

Em geral estas atividades desonestas indiretamente ou diretamente atacam a Saúde Pública, a Segurança e, principalmente a Educação, pois fragilizam os recursos destinados a estas áreas.

Mas isso não pode ser identificado como sendo uma exclusividade apenas de um grupo de pessoas públicas ou de representantes dos interesses da população que os elegeram.

 

De fato, apesar de assolar as populações humanas desde a Antiguidade, a corrupção e o suborno chegaram ao Brasil junto com os seus colonizadores europeus.

Por exemplo, a "Carta de Achamento do Brasil", escrita por Pero Vaz de Caminha, escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, é rica em detalhes ao narrar como a frota ancorou diante de um monte, batizado de monte Pascoal, no litoral Sul do atual Estado de Bahia, no entardecer do dia 22 de abril de 1500.

Ao avistar as novas terras e alguns de seus habitantes Pero Vaz de Caminha os descreveu como: "pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse as suas vergonhas e traziam nas mãos arcos e setas".

Apesar da presença dos indígenas armados era necessário tomar posse deste novo território em nome de Portugal. Assim no dia 23, desembarcou um navegador experiente e hábil negociador chamado Nicolau Coelho, que travou o primeiro contato com um grupo de índios.

Em seu relato Caminha escreveu que Nicolau Coelho ofereceu aos indígenas “um barrete vermelho, uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto”, um pequeno suborno disfarçado em presente, mas que certamente abriu as portas e a confiança dos índios para o livre desembarque da frota entre os dias 24 e 25 de abril.

Nestes dias um número maior de portugueses foi à terra e os contatos com os índios foram mais diretos e o entendimento se baseou na oferta de produtos, como espelhos, facas, colares etc. Portanto, este foi o primeiro suborno disfarçado em escambo, realizado em terras brasileiras que se tem notícia.

No dia 26, o primeiro domingo após a Páscoa daquele ano, o frade franciscano Henrique Soares de Coimbra rezou uma missa em terra firme para a tripulação que foi acompanhada à distância pelos indígenas. Ao relatar esse evento, em outro trecho de sua carta, Caminha descreveu que eles "estavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós estávamos entre eles".

Esse relato indica que o primeiro suborno em terras brasileiras já havia se mostrado eficiente ao atingir seu objetivo e assim Portugal conseguiu tomar posse do novo território.

 

Caminha finaliza a sua carta histórica de 27 folhas apelando ao rei D.Manuel que libertasse seu genro Jorge de Osório, casado com sua filha Isabel, que havia sido condenado ao degredo na ilha de São Tomé por ter roubado uma igreja e ferido um padre quatro anos antes. O perdão ao genro de Caminha foi atendido em 1501, quando o rei soube da morte do escrivão que foi executado pelos árabes na feitoria de Calicute. 

Durante os anos subsequentes houve a colonização das novas terras descobertas que havia sido elevada à condição de colônia e batizada de Brasil como uma referência ao Pau Brasil, importante produto extraído das florestas brasileiras e exportado para Portugal.

A partir daí tornou-se frequente o fato dos funcionários responsáveis pela fiscalização das exportações dos produtos extraídos da colônia se corromperem e, em troca de subornos, se permitirem desvios e o comércio ilegal de pau-brasil, tabaco, ouro, diamante e outros produtos brasileiros.

Contudo, como o volume de mercadorias que chegavam ao reino, mesmo com estes desvios, ainda era muito significativo, Portugal se esquivou por muitos anos em resolver os problemas ligados ao contrabando, à corrupção e ao suborno realizado livremente na colônia. 

Com a vinda da corte de D. João VI para o Brasil em janeiro de 1808 um novo modelo de corrupção se instalou, e assim como o reino estava financeiramente “quebrado” muitos títulos de nobreza foram "doados" pelo rei para qualquer um que pudesse pagar por eles, mesmo que estes pagamentos fossem feitos com recursos originados de anos de contrabando, desvio ou roubo de ouro e pedras preciosas, madeira e outros produtos.

Nessa época foi cunhada a expressão: "quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão, mas quem muito furta e esconde passa de barão a visconde”.

Assim, nos oito primeiros anos em terras brasileiras, D. João VI distribuiu 28 novos títulos de marqueses, 8 de condes, 16 viscondes e 21 barões, enquanto que nos 700 anos anteriores de monarquia Portugal havia nomeado até então apenas 16 marqueses, 26 condes, 8 viscondes e 8 barões.

 

No dia em que Dom João desembarcou no Rio de Janeiro, em 1808, foi presenteado por Elias Antônio Lopes, um reconhecido traficante de escravos, a melhor casa da cidade, no mais belo terreno. Ao ceder a Quinta da Boa Vista à família real, Lopes abriu as portas para os privilégios da Corte e ganhou logo depois, além de títulos de nobreza, muito dinheiro rapidamente.

Outro momento histórico, no qual um expressivo e camuflado suborno mostrou-se bem eficiente para o corruptor, posteriormente.

Alguns anos depois com a proclamação da independência em 1822 e a instauração da República, outras formas de corrupção, como por exemplo, a eleitoral e a de concessão de obras públicas, surgiram no cenário nacional.

No Brasil Império de 1822 até 1889, o alistamento de eleitores era feito apenas para quem possuísse uma determinada renda e fosse aprovado por uma comissão que também julgava e impugnava os casos declarados suspeitos.

Assim havia liberdade para se considerar como eleitor apenas quem fosse de interesse da própria comissão, ou melhor, quem pudesse pagar por isso. Outro momento histórico no qual foi a corrupção e o poder do suborno quem selecionava aqueles que iriam indicar e eleger os legisladores do país.

Com a República, proclamada em 1889, essa prática foi substituída pelo voto de “cabresto” no qual o proprietário de latifúndio apelidado de “coronel” impunha coercitivamente o voto desejado aos seus empregados, agregados e dependentes.

Mais tarde foi estabelecida outra forma de se eleger o candidato indicado pelo “coronel” e consistia no voto comprado, ou seja, o eleitor “vendia” o seu voto ou o trocava por um produto que lhe fosse útil.

A forma mais pitoresca relatada nesse período foi o voto pelo par de sapatos. No dia da eleição o votante ganhava um pé do sapato e somente após a apuração das urnas o “coronel” entregava o outro pé. Assim, mais uma vez, historicamente o suborno ditava quem seria eleito.

 

Em 1950 Adhemar de Barros, político paulista conhecido como “fazedor de obras”, ficou nacionalmente conhecido pelo lema: “Rouba, mas faz!

Durante as campanhas eleitorais daquele ano instituiu a “caixinha do Adhemar”, que era uma forma de arrecadação de dinheiro e de troca de favores. A transação era feita entre os bicheiros, fornecedores, empresários e empreiteiros que desejavam algum benefício do político posterior à eleição. Essa prática permitiu tanto o enriquecimento pessoal, quanto uma nova forma de angariar recursos para financiar as suas campanhas políticas.

Atualmente, o escândalo da “operação lavajato” demonstra que essa prática se perpetuou até os dias atuais, se modernizando e enraizando-se em todos os escalões da política nacional.

Mais isso não é um privilegio único do nosso amado e jovem Brasil. 

A história mundial mostra que após um período de prosperidade e enriquecimento de um povo ou nação, geralmente a corrupção também é gradativamente crescente e, ao corroer as estruturas, um subsequente declínio social e econômico é inevitável posteriormente. 

Desde a Antiguidade isso se repete.

A obra “História do Declínio e Queda do Império Romano”, escrita por Edward Gibbon e publicada em seis volumes entre 1776 e 1788, resume basicamente em seu capítulo 38:

“As legiões romanas ao retornarem vitoriosas também traziam os vícios de estrangeiros e dos mercenários em guerras distantes. Assim, primeiro oprimiram a liberdade da república e depois violaram a majestade dos imperadores, que preocupados com sua própria segurança pessoal e a paz pública corromperam a base da disciplina do governo militar. Isto propiciou soberania, mas, ao mesmo tempo, diluiu crescentemente o vigor desse tipo de governo que, relaxado, finalmente foi dissolvido e o mundo romano foi esmagado por um dilúvio de bárbaros”.

A política de favorecimento do “rei” para seus amigos em detrimento do bem coletivo ou de se fazer permutas espúrias em benefício próprio, ou ainda simplesmente corromper para obtenção de vantagens individuais sempre alavancaram silenciosamente a derrocada de inúmeros Impérios.

A própria China testemunhou por vários séculos sucessivas ascensões e quedas de várias dinastias. Por exemplo, a dinastia Ming investiu na agricultura, ao contrário do que fizeram as dinastias anteriores, cuja economia se baseava no comércio. Assim, confiscou e dividiu grandes propriedades rurais que ao ser arrendadas, fez com que os camponeses com a posse da terra predominassem na agricultura e assim a pobreza causada pelos regimes anteriores foi superada.

Essa dinastia Ming governou a China de 1368 a 1644, depois da queda da dinastia Mongol e prosperou com um governo central e forte que unificou o império chinês.

Contudo, como resultado dessa prosperidade o imperador autocrático precisou lançar mão dos chamados "Grandes Secretários" para auxiliá-lo, o que mais tarde causaria o declínio da dinastia, por causa da corrupção crescente resultante desse sistema de auxílio ao governo.

Posteriormente, já no século XIX, o interesse do governo britânico no comércio de ópio com a China colidiu com os decretos imperiais que proibiram a droga no seu Império, o que estimulou a corrupção na agricultura e culminou na Primeira Guerra do Ópio, em 1840.

O comércio ilegal da droga “quebrou” o tesouro imperial por causa da grande evasão de recursos econômicos causados pelo tráfico, levando a China passar períodos de fome.

Assim o governo caiu por ser incapaz de socorrer a população e novamente os eventos resultantes da corrupção disseminada tiveram um grande impacto econômico e a prosperidade que os chineses tinham voltado a gozar na Ásia sucumbiu e, mais uma vez, o país mergulhou no caos. 

De modo similar a Revolução Russa de 1917 derrubou a autocracia russa e levou ao poder o Partido Bolchevique, de Vladimir Lênin. Era uma nação com uma grande população de operários e camponeses trabalhando muito e ganhando pouco e um governo fortemente corrupto liderado pelo czar Nicolau II.

A corrupção que na época privilegiava os amigos do “rei” aliada a opressão do governo, originou manifestações populares que fizeram o monarca renunciar, surgindo a União Soviética, o primeiro país socialista do mundo. 

O mesmo se deu em Cuba, que em 1959 possuía um governo caracterizado pela corrupção e pela violência que culminou em uma revolução que destituiu o ditador Fulgencio Batista de Cuba pelo movimento liderado pelo revolucionário Fidel Castro. 

A Revolução Mexicana de 1910 também teve na corrupção disseminada uma das suas principais causas. Desde 1876 o general Porfírio Díaz governou por 34 anos de forma ditatorial, durante os quais o México experimentou um notável crescimento econômico e estabilidade política. Contudo, esta situação foi alcançada com altos custos econômicos e sociais, pagos obviamente pelos estratos menos favorecidos da sociedade que se revoltaram com a crescente corrupção oriunda do poder. 

Ou seja, historicamente quase sempre um ciclo de aparente “prosperidade” de uma nação se encerra quando é alcançado o limite que a população suporta em relação à crescente corrupção descontrolada. 

No “achamento” do Brasil em 1500 a corrupção foi apenas importada para cá, pois possivelmente as populações indígenas nativas daqui desconheciam ou exercitavam com tamanha destreza destrutiva esse fenômeno cultural. Assim, a nossa história se confunde com a prática e exercício desse mal e do estimulo às desigualdades desde o período colonial.

 

O único fato inquestionável é que qualquer criança ao nascer não traz com ela a conduta da corrupção. Ela simplesmente a constrói a partir dos exemplos e modelos às quais é exposta ao crescer e se desenvolver com as pessoas e familiares ao seu entorno.

Assim é triste admitir que a corrupção é um mal transmitido pela própria sociedade às novas gerações e a escola sozinha pouco pode fazer para fazer expressivas mudanças.

Por outro lado as chances de exilar essa conduta tão nefasta do solo brasileiro são imensas e bem reais, pois depende de cada cidadão individualmente. Basta que cada um ofereça o melhor exemplo de postura ética e honestidade para as pessoas ao seu lado e, principalmente, para as nossas crianças.

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O Brasil realmente é um país muito próspero e rico, pois de acordo com o relatório da Fiesp o custo médio da corrupção no Brasil, em 2010, foi estimado entre 1,38% a 2,3% do PIB, isto é, de R$ 50,8 bilhões a R$ 84,5 bilhões.

 

Logo, só uma nação muito rica e com uma atual população de 43,9 milhões de estudantes matriculados na educação básica pública pode permitir que a corrupção desvie o valor do custo anual de aproximadamente metade destes alunos.

Ou ainda, jogar fora este valor que permitiria construir 57 mil escolas para séries iniciais do ensino fundamental, ou ainda equipar e prover o material para 129 mil escolas com capacidade cada uma para 600 alunos deste nível de ensino.

Essa “riqueza” que se esvai pelo ralo já reproduz aqui uma única verdade: Quanto maior os níveis de corrupção, menor será a produtividade, o crescimento econômico e a confiança dos investidores externos e consequentemente se amplia o desemprego e os problemas de Segurança e da Saúde de uma nação.  

Enfim, para exilar a corrupção de nosso país, basta modelarmos individualmente o nosso próprio futuro, dando o melhor exemplo às crianças e às pessoas ao nosso entorno com ações que privilegiem o bem-estar coletivo acima do individual.

Somente desta forma conseguiremos finalmente construir um Brasil que merecemos e que queremos para todos nós e, infelizmente, isto é algo que a Escola não consegue fazê-lo sozinha, pois claramente esse aprendizado é construído desde a mais tenra idade em cada casa. 

Simples assim.  

> Texto inspirado e parcialmente extraído do meu livro “A Neurociência da Corrupção”; editora CDA; 2017; São Paulo 

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Por Flavio Chame Barreto  –  flaviocbarreto.bio@gmail.com

1 Comentário

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  • Dinho Athayde

    Belíssimo texto professor! É disso que oBrasil precisa, esclarecimentos dessa mal que nos assola. Que é a corrupção. Parabéns Flavinho!