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Pulsão de Vida

O canto da sereia

Alguém que canta divinamente sempre nos irá encantar; tornar-nos escravos de seu canto; alguém que canta pra nós vai sempre cativar nosso coração

Música  –  21/11/2016 09:10

Publicada: 18/11/2016 (21:08:14) . Atualizada: 21/11/2016 (09:10:22)

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Alguns afirmam que elas existem. Há relatos atuais dessa verdade, apresentada em documentários, contudo, sua fábula pende mais para a verdade que uma certeza real. Seu exemplo de grande cantora dos mares inebria os marujos e os encanta. Certamente através da mitologia grega, de onde vem sua gênese, ao contrário do que pensa a maioria, ela possuía asas e não rabo de peixe.

Ancestrais: harpias, sereias com asas

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Gravura de Matthius Merian: Harpia, em Ulisses Aldrovandis Monstrorum Historia, Bologna, 1642

Sereias são harpias, nos textos de Homero, ele conta que elas atraíam a tripulação, fazendo com que eles enlouquecessem e fizessem o barco colidir com os rochedos com seu canto mágico. O corpo de peixe só foi inserido pelos bestiários medievais, que descreviam os animais e as bestas mitológicos ou reais. Seria mais evidente, realmente, que as sereias se parecessem mais com os pássaros, visto que esses cantam e não os peixes.

Enfim, o que nos leva essa breve resenha é que o canto delas tem o poder de mudar os rumos de nossa vontade; até o da pulsão de vida, para torná-la pulsão de morte. Um canto assim, descrito por Homero, nos levaria à loucura e contra a nossa vontade. Contudo, se avaliarmos melhor o canto de uma sereia, este seria: “o de tirar o momento em que estamos”, esvaziar nossas mentes, mudar a rotina diária, como faz com os marujos, fazendo esses jogar o navio nos rochedos. Ouvir o canto das sereias é se deixar levar, ouvir sua música; é ouvir a música que ouvimos no dia a dia nos fazendo esquecer nossas preocupações e nossa rotina. É penetrar no ócio, é passear e não trabalhar, é ser livre e não obsecado pelas atividades diárias. Não é incomum ver pessoas importantes de nossa sociedade se extravasando quando estão num show ou ouvindo um concerto de rock, ou um evento punk; é o efeito: “canto das sereias”.

Música é pulsão de vida porque nos convida a mudar o rumo dela quando a ouvimos. Nossos rocks, pagodes e todos os estilos musicais nos tiram da trajetória sistêmica e enjoada do dia a dia. Precisamos do canto das sereias que vem da música para mudarmos nossa rotina. O frenesi mágico e metafísico que nos provoca a música é como o canto das sereias; um canto que nos faz bater nos rochedos, bater nossos corpos uns com os outros numa dança de salão, numa dança tribal, numa dança punk que guerreia nossos instintos contra nosso dever de prosperar nossa rotina doméstica e de trabalho.

Precisamos dela e seu canto, mesmo que seja uma fábula, mesmo que não exista, mesmo que sejam meio aves ou meio peixes como quer a história da idade média, em seus bestiários.

Alguém que canta divinamente sempre nos irá “encantar”; tornar-nos escravos de seu canto. Alguém que canta pra nós vai sempre cativar nosso coração. É aí que se vê o sucesso dos grandes artistas porque são análogos às serias e fábulas metafísicas de nossas vidas. Nossos ídolos são estopins que detonam nossos instintos de marujos de uma odisseia individual; história de nós mesmos.

Os ídolos mudam nossa vontade e criam com seu canto uma nova ideologia que contraria a nossa formação, provoca uma nova “vontade”.

Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

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