Publicada: 28/11/2016 (08:08:51) . Atualizada: 02/12/2016 (13:29:58)
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Falamos de sereia e falamos de ídolos, quando juntos têm o mesmo objetivo. Ulisses obrigou seus marujos a colocarem cera nos ouvidos, para não ficarem encantados, e não deixar o navio se chocar contra os rochedos. Colocar algum bloqueador nos ouvidos hoje é um artifício necessário para algumas atividades. Fábricas e indústrias utilizam esse método para não danificar os ouvidos de seus funcionários. O atenuador acústico auricular, como é tecnicamente conhecido, é muito utilizado pelos profissionais de áudio que ao contrário dos ouvintes dos concertos de rock preferem as primeiras filas e ouvir o mais alto possível. Existem normas rígidas a favor dos vizinhos de casas de shows musicais, mas não existem para os seus interiores. Porém essa não é nossa questão e sim para as autoridades legisladoras. O que nos afeta, portanto, é quanto o som “agrada”, independentemente de sua intensidade. A intensidade é vulgarmente conhecida como o volume do som.
A questão é:
Quando devemos tapar nossos ouvidos
Por que as grandes orquestras têm em sua composição pelo menos dez violinos? Não seria um apenas o suficiente? Essas questões se devem a fatores históricos e estéticos. Em épocas remotas não existia a amplificação eletrônica que o áudio moderno proporciona. Não precisamos de dez guitarras fazendo a mesma coisa, porém, compensamos com o volume do som das caixas acústicas. Mas ainda não é a nossa questão. A questão seria estética do “gostar” e o “não gostar”, é para que tapemos, ou não, os ouvidos de acordo com nossa vontade. O ouvido não é como a boca que se fecha ou um esfíncter que se abre e se fecha voluntariamente. Aliás, o esfíncter responsável pela deglutição dos alimentos não deixa que esse entre no pulmão. Coitado do ouvido que ouve o que não quer! Por outro lado, o ouvido é responsável por estar sempre alerta mesmo durante o sono. A história da evolução humana mostrou que por não possuir um esfíncter auditivo o ouvido salvou o homem de perigos mesmo quando dormindo porque acordou do sono de quem poderia ter morrido pelas garras de um tigre dente de sabre.
Nosso gosto e vontade de desligar aparelhos eletrônicos estão em nossas mãos e não nos ouvidos. Podemos tapar as orelhas quando achamos que aquilo pra nós é de mau gosto, sinalizando por esse gesto que aquilo não agrada. Por ídolo, entende-se a atitude de aceitar, ouvir aquela pessoa e não tapar os ouvidos ao ouvi-lo. Às vezes a música é boa e mesmo assim tapamos por não serem eles nossos ídolos. A idolatria vai mais longe, nos faz: não tapar os ouvidos mesmo quando a música não é de boa qualidade. Para os aficionados, os ídolos são perfeitos, independente da obra artística que criaram. Basta um primeiro sucesso e doravante o que compõe tem muitas chances de serem do agrado popular.
A idolatria na arte sempre esteve presente. Ao contrário de quem vive o “hoje”, sem a visão histórica, grupos isolados tendem a apontar a mídia como a direcionadora do gosto. Devemos salientar que os ídolos aparecem até nos grupos familiares e de amigos, independente apenas da mídia. Esse fenômeno da idolatria deveria ser encarado ontologicamente, ou seja, inerente ao próprio ser humano. Alguém deveria responder por nossos anseios. Este o elegemos nosso “ídolo”. Quando alguém nos fere, postamos aquela música, para dizer que o ídolo é que nos defende, nos representando, e não nós mesmos. Dizemos: “foi ele que disse”. E por ele, o ídolo, ser um “argumento de autoridade”, como propõe a lógica, estamos confortados e respondidos. A voz humana, e sua opinião doméstica, é fraca quando comparada a um grande poeta, um orador, ou um líder religioso; isto seria o pensamento de uma parcela da sociedade e não uma afirmação generalizada. Porém, o ídolo, principalmente o da esfera musical, costuma responder pelos oprimidos e os que se consideram vítimas por alguém, ou por algo.
As canções de protesto, de uma maneira geral, defendem alguma parcela da sociedade. A história da música popular está cheia de exemplos.
Os ídolos são vistos por alguns, como aquele que responde pelo ser humano. Deveríamos, entretanto, mensurar os limites desses encargos que os outorgam. A sociedade sempre precisou de líderes, todavia, monitorá-los sempre de acordo com nossa vontade seria uma sugestão honesta. A fala poética tem artifícios e falácias lógicas que nem conseguimos imaginar. Sofismas e ideologias sempre estarão em alguns textos, ditos e canções. Cabe a nós averiguar sempre o teor dessas afirmações, para não colidirmos com os rochedos. Ulisses, grande líder, proposto por Homero, em sua literatura, obrigou seus marujos, fiéis e obedientes, a colocar cera nos ouvidos. Tapemos os nossos, quando aquilo que ouvimos possa nos prejudicar.