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Metafísica

Música, alimento da alma

O alimento sonoro é o que chacoalha e balança nosso estado emocional; esse alimento não tem peso atômico nem pode ser medido porque é diferente entre as pessoas

Música  –  20/08/2018 20:21

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(Foto Ilustrativa)

A música, por ser metafísica, é ouvida pelos neurônios que conduzem sua sensação, todavia, o pensamento metafísico é o que reporta o homem para mundos diversos; uma canção ouvida é pensada de forma sempre diferente pelas pessoas

 

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", assinadas pelo músico Ricardo Yabrudi

A música certamente está alicerçada, atrelada ao mundo metafísico, embora o som seja uma vibração percebida pelos aparelhos reprodutores que são os ouvidos dos humanos. Sua sensação é real, porém, sua compreensão, devaneio, crítica e sublevação podem ser espirituais; paralelamente ao campo metafísico. Kant demonstrou em sua obra “Crítica da Razão Pura” que a transcendência (que é o ato de se desgarrar do mundo material) nos levaria a um mundo não real. Talvez a música na visão de Hegel fosse entre as artes a única a atingir esse propósito. O kantismo, por sua vez se defronta com a dureza do pensamento de Nietzsche, que é atestado pela neurociência de nossa atualidade. Afirmam os cientistas dedicados a essa ciência que a alma é o próprio pensamento ou que ela possivelmente não exista, contudo, se existir, será o produto das nossas próprias sinapses.

Aristóteles escreveu um trabalho intitulado “A Alma” há mais de dois mil anos, época em que não se entendiam os processos elétricos e bioquímicos do pensamento, embora tivesse escrito também sobre a anatomia humana e dos animais em geral, contudo, sendo filósofo, sustentava sua tese, inclusive também, por argumentos não biológicos, porém, filosóficos transcendentes. Sobrepor a ciência à filosofia seria assassinar a própria progenitura do pensamento, afinal essa progênie é a causa do próprio nascimento da ciência; esta nasce das interlocuções dos filósofos, a ciência apenas pragmatiza, testa e faz ensaios laboratoriais. Lembremo-nos de que muitos dos trabalhos dos cientistas do barroco eram trabalhos da área filosófica, por exemplo, a lei da gravitação universal de Isaac Newton intitulada “Philosophiae Naturalis”. Aparições da alma nos ensaios de laboratório, como no “efeito Kirlian” ainda estão sendo causa de muitos questionamentos.

A teologia principalmente eleva nossos pensamentos criando situações de desconforto para cientistas, principalmente os que atuam na área médica que se defrontam com desaparecimentos repentinos de alguns tumores em seus pacientes. Eles dizem olhando para os exames laboratoriais: mas o tumor estava lá e agora sumiu! De qualquer forma o que intriga nessa controvérsia, da existência ou não da alma (assunto para os filósofos e teólogos) é de ser ela uma verdade ou não; o que responderia aos nossos interesses e questionamentos metafísicos.

A música, por ser metafísica, é ouvida pelos neurônios que conduzem sua sensação, todavia, o pensamento metafísico é o que reporta o homem para mundos diversos. Uma canção ouvida é pensada de forma sempre diferente pelas pessoas. O que seria triste e traria infelicidade pode causar prazer e alegria em uma outra pessoa - um antagonismo surpreendente entre as variadas formas de pensamento dos indivíduos. O mundo que eu penso talvez não seja pertencente a esse cosmo porque a transcendência nos eleva a outros campos de entendimento e pensamento. Se a música fosse um objeto concreto nos levaria a “lugares comuns e iguais”, consequentemente, a todos os seres humanos. Se nos leva a caminhos diferentes, talvez seja porque esses mundos não existam na realidade, porém, apenas em nossas mentes, o mundo irreal, porém, Racional. Será então o Racional, Irreal?

Lugares onde habita o espaço-tempo é limitado a uma experiência, contudo a nossa mente não depende só delas. Conseguimos imaginar até um céu com um Deus único! Esta é a tese de Descartes na sua obra “Meditações”, que em seis capítulos (6 meditações) prova a existência de Deus pelas vias racionais, alegando que o pensamento racional é metafísico e que não existe barreira para o pensar na existência de qualquer objeto, ou ser, desde que o imaginemos como Verdade. Ele nos dá o exemplo do Unicórnio, se pensamos nele é porque ele existe (Cogito, Ergo Sum), penso, logo existo, que por extensão: O Que Eu Penso, Existe.

O monoteísmo talvez seja a aspiração de que existe uma unidade pensante e criativa como nós, porque o homem é uno, consequentemente, que Deus seja uno. Esse pensamento não é uma Projeção humana, contudo, conclusão e inferência da ideia do Ser filosófico. Estamos quase sempre alicerçados em nossas experiências de vida. É como se ela fosse nossa forma de julgamento, porém, a metafísica e a transcendência nos liberta do aqui e agora, nos fazendo livres para criar nossos mundos, assim como a música cria mundos e visões fora da realidade. Por que choro quando ouço notas e harmonias? Por que nos fere tanto a alma criando visões se as notas não contêm uma morfologia e não desenham nenhuma reta, curva, cores ou paisagens? De certo modo, criam imagens que não existem, como nos sonhos, porque ela é libertadora e cria no homem uma criatividade e o faz sonhar.

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Os sonhos são estranhos e nos remetem a lugares nunca dantes vistos. Esse é o poder da transcendência nos levando a uma metafísica que só o ser humano pode construir e entender adstrito a si. Se posso ir onde quero e a lugares que não existem no mundo concreto, para mim eles existem de verdade e racionalmente, a menos que eu não exista de verdade. Assim é a metafísica que peita os Céticos, apenas ligados ao Mundo Visível e apreensível.

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Para muitos, Descartes e principalmente o trio Sócrates-Platão-Aristóteles foram os responsáveis pela destruição do mundo concreto, configurado como um caos no período pré-socrático, tanto defendido por Nietzsche. Ora, Nietzsche não era contra a metafísica, principalmente por ser um filósofo asceta, o que o fazia condenar-se (quando fez esse comentário no terceiro capítulo da “Genealogia da Moral”, uma de suas obras). Não temos como negar a metafísica e existência de outros mundos, porque o pensamento é Individual e Privado. Se alguém acredita em fadas o problema é privativo, não obstante as ideologias e os dogmas fazem criar um mundo nos homens que não os pertence, aprisionando-o fora de seu pensamento, destruindo suas verdades interiores.

Talvez o conceito de alma interfira e embaralhe sempre o nosso entendimento. Contudo, o alimento e sapiência que a música fornece não sejam sódio e potássio, como nos ensinam nas escolas laicas. Dizem que o pensamento é apenas um impulso elétrico como que sensações, sendo enviado ao cérebro, entrando e saindo dos neurônios, através desses dois elementos (entra sódio e sai potássio), produzindo uma imagem que será decodificada. Para os cientistas, talvez a metafísica não exista - somente a física, na opinião de muitos. Esses dois elementos seriam o chaveamento do caminho para uma catarse fortuita. Estaríamos reduzidos a um laboratório cujos elementos seriam apenas carne e ossos. Para os mais elitizados, um corpo bioquimicamente bem estruturado apenas. Acredito que somos mais que isso e a metafísica nos faz superiores a muitos animais e nos levam a mundos onde estamos pensando em um determinado momento, ou projetando um mundo futuro porque assim a liberdade de pensamento nos concede e permite.

Gostaria de afirmar que o alimento sonoro é o que chacoalha e balança nosso estado emocional. Esse alimento não tem peso atômico nem pode ser medido porque é diferente entre as pessoas. Uma canção pode te afetar, talvez outra não. Que alimento é esse que não pesa? Às vezes é remédio, às vezes é placebo, às vezes é veneno que atordoa. Para a insensibilidade, a música soará como o nada, para a sensibilidade como o “tudo”. Um “réquiem” sobrecarregará como um pesado fardo. Mozart compôs o seu próprio, talvez numa visão de sua própria morte, sendo que o sentia com profunda alegria no prenúncio de uma morte prematura. Se o compôs, e para si, o fez não com pesar, todavia, com a maestria de um gênio que não pensa as dores como dores e mal, porém, como o alimento que oferecia aos homens para a alma. Esses vapores musicais estão nos rituais tribais e contemporâneos expressando que é um alimento incomum, não para a gustação como a culinária, mas comumente para a vida pensada.

A música sempre será alimento para a alma, se não for: o que será? Metafísica para a metafísica, esse será talvez o único canal de conversação possível para mundos exteriores ao mundo físico. Por isso, a música é metafísica e foi usada por Bach como oração para se falar com Deus. Handel também compôs para o céu, este que existe na cabeça de quem quer, por sermos seres humanos livres. O mundo laico, ateu, deveria estar mais preocupado com a música que com as pregações religiosas, porque a música infiltra e cria no ouvinte uma possibilidade de extra mundo possível, e faz devanear no homem, mais que um sonho, porém não só numa realidade onírica, contudo, em realidade “concreta”, metafísica.

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Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

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