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“Turvo”, uma reflexão existencial de todos os que não habitam as metrópoles, apresenta o conflito do protagonista que pretende estudar em uma grande cidade, mas precisará abandonar sua tradição, seus amigos e sua amada terra natal. Ricardo Yabrudi e Murillo Sued assinam a trilha sonora do longa-metragem escrito e dirigido por Sued. Dois talentos que aparecem na ficha técnica do filme são de Volta Redonda: o ator/cantor Gabriel Hipollyto e Bárbara Yabrudi, responsável pela assistência de direção do longa.
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O homem precisa refletir sobre suas ações através de seus pensamentos construindo seu destino. O “Ser-aí” ou o “Ser-aí-no-mundo”, como a tradução do “Dasein” de Heidegger, nesta condição, faz o homem se dar conta existencialmente de que vive no mundo. Em qual mundo devemos viver? A arquitetura e o urbanismo são corresponsáveis por esse conflito aliada à posição humana filosófico-existencial.
Em algum momento o ser no mundo, jogado, que segue sua vida cotidiana, como pertencente a uma manada, se dá conta de que não quer mais seguir o seu caminho que também é compartilhado por quem com ele convive. Esse indivíduo se dá conta de seu íntimo ser, que antes era impessoal, coletivo e agora se sente “não pertencente” àquele antigo mundo, todavia de um novo. Surge desta condição a “angústia”. O ser que antes apenas vivia automaticamente na “impessoalidade”: agora percebe claramente onde está inserido. Vive o conflito de novos caminhos e de seu recém-descoberto ser.
Onde se encontra esse “ser-aí” agora em conflito? Qual o melhor lugar para se viver e instalar o ser que somos nós? Se pensarmos que o bom viver, na ótica do urbanismo, está numa bela cidade, com uma arrojada arquitetura, estaremos agraciados com uma infinidade de atrativos. Nesta situação esse homem mordeu a isca para que se envolva na pluralidade de sensações que vêm do meio externo. Se ele procura elementos mais metafísicos como: a paz, o sossego, a calma, a amizade concretizada pelo tempo, a encontrará possivelmente dentro de si, no seu ser interior.
O destino do habitar humano poderá estar selado a um fim do viver nas metrópoles? É a cidade grande a resposta para um fim definitivo civilizacional e às pequenas seu esvaziamento? O urbanismo sério rejeita fórmulas prontas propostas pelo capitalismo desenfreado, pelo contrário, serve o homem para que em seu projeto urbanístico o acolha; faz da sua pensada cidade, que é o exterior ao ser, uma “polis” que se comunique com o interior do homem.
O recolhimento de si, e o estar aí com confiança, o refletir realmente sob as condições de uma felicidade interna são respostas para onde se deve ir; deve-se procurar a cidade do interior do espírito humano. Talvez não movimentar-se seja uma ótima atitude. O frenesi das cidades grandes, aliada ao caos que destroem tradições, balança o ser e o lançam na intempestividade. Ser contemporâneo não é apenas morar numa metrópole ou numa pequena cidade, mas morar dentro de si.
O que há de melhor para o ser é a reflexão para decisões não afoitas. Ela mói a dúvida e assenta o espírito humano no trono de um reino particular. A movimentação excessiva, nômade, impulsiva, pode estampar a grave doença da contemporaneidade: a ansiedade. As pessoas mais isoladas vivem nos grandes centros urbanos. Seus apartamentos, que em outras épocas foram casas de ocupação horizontal do solo urbano, não recebem tantas visitas quanto nas pequenas cidades onde o café é servido na cozinha aos vizinhos e parentes em frequente visita.
O homem que pretende evadir-se das pequenas cidades precisará refletir. “Pasárgada” pensada por Manuel Bandeira tem dois mundos: o primeiro tem a tecnologia das atrativas cidades modernas, o segundo estampa a cidade pequena de sua infância. O poema conta assim e nos faz refletir esse segundo momento:
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d`água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
(“Vou-me embora pra Pasárgada” trecho do poema de Manuel Bandeira)
Nesses dois mundos descritos pelo autor cabe a reflexão do ir ou do ficar na pequena cidade de Rosa, a ama-seca do poeta que em sua infância ouvia as histórias da tradição.
O filme “Turvo” esboça esse desejo e esse conflito do ir ou do ficar. O que falta ao homem da cidade pequena que evade dela é o ato de não refletir o suficiente a respeito de escolhas como: entre o banho de rio e o shopping de largos “malls”, entre os amigos da infância e os novos amigos, talvez de pouca confiança, entre o almoço no fogão de lenha e o “fast food”.
O ser humano está jogado no mundo para decidir, contudo, primeiramente deve refletir antes de ser atraído pelo apetitivo exterior. O tema da película é universal porque põe em dúvida o falso e atrativo progresso das metrópoles contra o abandono de amigos em que se pode confiar, da família e da natureza, a paisagem que abraça a cidade pequena. O conflito do protagonista é o de todos nós. Somos todos os que não sabem com certeza para onde devemos ir. E, se formos afoitamente a algum lugar, precisamos refletir se devemos voltar: “Vou-me embora para o Turvo”!