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Imortal

A morte humana faz brotar a nova música

O homem da arte, como todos os indivíduos comuns, vive para morrer e morre para fazer viver inalterada sua composição

Música  –  07/06/2021 09:50

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(Foto Ilustrativa)

A composição existe e dura no tempo para sempre - reivindica sua posição definitiva naquele momento da morte do autor

 

O estilo artístico ou o período artístico ou a época da arte é aquele momento onde se cria um determinado tipo de arte. Na Renascença, entre os séculos XV e XVI, despontou Claudio Monteverdi; no próximo século, o Barroco, com Bach; no Classicismo, Mozart; no Romantismo, Brahms; no Impressionismo, Debussy; no Dodecafonismo, Schönberg; Villa-Lobos na música brasileira; e assim sucessivamente até os dias de hoje. Na música popular também se sucedem os compositores pela ordem das épocas e também, particularizadamente, nos gêneros musicais que se especializam, por exemplo, num mesmo período ou estilo popular, uns no samba, outros no choro, outros na bossa nova, todos dentro de um mesmo momento da arte da música de seu tempo. 

Imaginem, hipoteticamente, que os compositores fossem “imortais”. Imaginem Bach vivo ao lado de Villa-Lobos discordando do excesso de dissonâncias e concordando com a crítica ferrenha de Oscar Guanabarino, um crítico que era conservador e atacou o nosso mais importante compositor brasileiro. E sabemos que Villa se inspirou em Bach porque compôs as “Bachianas” incorporando elementos sob a inspiração desse compositor alemão. Os próprios filhos de Bach, como Carl Philipp Emanuel Bach, discordavam do estilo retrô do pai, pois o classicismo já na época dos seus filhos alterava a estrutura de composição barroca com os ares de Joseph Haydn. Imaginem Schönberg discordando de Guillaume Dufay, o nosso pioneiro da Ars Nova medieval, dizendo do primitivismo da sua magistral música: aquela que explodiu como novidade incomodando a música litúrgica das igrejas, a qual foi seu berço. 

Para evitar toda essa confusão e desacordos, o homem fatalmente morre para deixar seu legado e não incomodar as próximas gerações, evitando provocar o caos e a discórdia. A morte humana vem para apaziguar e evitar confrontos musicais e desconfortos quanto a críticas no mundo da arte da música. Contudo, deixa sua marca indelével: a composição musical. Ela se afasta de tudo e diz: 

- Não me toquem e não falem de mim porque sou imutável, perpétua e acabada! 

A partitura representa os compositores que não podem mais se pronunciar e defender o estilo que abraçaram: elas são os “diplomas” de suas composições. Ela não arreda pé do que é, é teimosa, altiva, elegante, responsável. Como diz Nietzsche da história, da própria vida humana e também da arte: “É a pedra que não se pode mover”. 

A composição existe e dura no tempo para sempre - reivindica sua posição definitiva naquele momento da morte do autor. O homem da arte, como todos os indivíduos comuns, vive para morrer e morre para fazer viver inalterada sua composição. 

Num curso de música contemporânea que fiz com o maestro Koellreutter na Biblioteca Nacional, ele chamou toda essa música que foi citada acima de: “música do-ré-mi”, incluindo a de Schönberg, totalmente estranha para ouvidos pouco eruditos. Essa frase ainda ecoa em mim para o bem porque atesta que todos os compositores citados acima estavam no mesmo estilo e não deveria haver desavenças, contrariedades e desacordos, desde os mestres da Idade Média até os dias de Koellreutter, apesar de ter ensinado o Dodecafonismo até para Tom Jobim, um de seus alunos. 

A morte leva todos para túmulo, só não leva a música... 

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Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

1 Comentário

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  • Claudia Souza

    Muito obrigada pelo belíssimo texto, claro, inteligível, preciso ... "A partitura representa os compositores que não podem mais pronunciar..." Porém deixam um "eco" através dela... Excelente o texto...