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Irmandade

A música é a mensagem

A música se associou à palavra porque são irmãs; independentemente do parentesco, essas duas divindades são opostas

Música  –  24/03/2022 10:10

 

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", do músico (e arquiteto) Ricardo Yabrudi 

A música é livre quando separada do “logos” (a letra da música), enquanto expressão. Indevidamente, contudo, aproximou-se da palavra, da poética, porque a associaram com ela desde Arquíloco no século VII A.C., obrigando-a a participar de uma mensagem social, dramática, política ou mesmo cômica. A palavra, ou o “logos”, precisou de uma extrema força, aquela que possuía a música com todo o seu caráter passional - o “pathos” acabava de ser descoberto pela palavra: Apolo descobriu em Dioniso, seu irmão mais novo, o que não encontrou em si próprio. Sua máxima, em sua casa, o templo de Delfos: “conhece a ti mesmo” poderia ser trocada por: “conheça teu irmão”. Essa justaposição do deus da palavra (Apolo) com o da música (Dioniso) trouxe à humanidade: a irmandade. 

A música se associou à palavra porque são irmãs. Independentemente do parentesco, essas duas divindades são opostas: uma da razão, a outra do “pathos”, a paixão que leva os homens a estados extáticos, o êxtase na apreensão da arte. A máxima discrepância é que Apolo não entenderá Dioniso, apenas o usará para que se torne o melhor, ele Apolo, o primogênito. Contudo, sua benção terá sido roubada como quando Jacó a roubou de Esaú. Na dramaturgia do século V, A.C. Sófocles vai dar ao coro de sátiros o poder de embriagar a plateia com o aulo dionisíaco. 

A humanidade nunca mais foi a mesma desde que a música entrou em cena no mundo artístico, musicalizando as palavras e logo a seguir desprezando-a com seus prelúdios, interlúdios e codas.

A música instrumental ocupou um lugar de destaque e não abriu mais a mão desse trono e seu tirso, o cetro de Dioniso. Esse tirso, de forma análoga, são alguns dos instrumentos tão proibidos em algumas bulas papais. A própria boca acostumada à fala simples da linguagem se perverteu e desviou-se na frase cantada em uma nota só. Posteriormente, inventaram coloraturas, procuraram notas agudas e graves. Através dessa expressão camuflou sílabas fazendo esquecer o próprio texto que cantava. A polifonia camuflou as frases, junto ao hoquetus, o engasgo sincopado, confundiu a mensagem. Agora a mensagem da música instrumental seria a da pura mensagem do pathos, a do êxtase e não mais da razão. 

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Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

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