
(Foto: Divulgação)
Bandeira de Uruana - Goiás
A memória é assim uma forma de ação representativa. É no fundo um jogo dos sentidos possíveis nos quadros, mais ou menos indefinidos do tempo (Guarinello, 1993. p. 188-92).
Memórias não são somente a eterna repetição do mesmo, do idêntico a si. Ela é ação reflexiva, inquisição proposta ao tempo, pode ser a afirmação do próprio tempo, de sua eficácia transformadora. Por si só é seletiva, ocorrendo o subjetivismo dos fatos, onde grande parte da historiografia é construída por pequeno segmento de memória coletiva, o qual acaba enquadrando em uma esfera de atuação e influência social relativamente limitada.
A escolha do nome da cidade é capítulo polêmico da história do município. Inicialmente, o Sr. José Alves Toledo pensou o nome de Uruina. O Dr. Felicíssimo do Espírito Santo achou a nominação de ar pejorativo, não iria pegar bem, remetia a “urina”. Estavam abertos todos os caminhos, sendo necessário a escolha do nome. E, como a cidade estava localizada às margens do Rio Uru, o Dr. Felicíssimo sugeriu ao compadre, o Sr. José Alves Toledo, a nominação de Uruana.
Conta da cidade, Dona Ana Toledo, que afirma: “Alguns anos mais tarde, houve a tentativa de mudar o nome da cidade por parte do Sr. Benedito Aranha, sem êxito” (Toledo, 2003, p. 24).
Em prosa com Dona Esmeralda Maia de Castro, ela diz que o Dr. Enivaldo Machado Parreira, em conversa com ela, narrou a história que circula entre os mais velhos moradores da cidade. A discussão atesta que, certo dia, encontraram os senhores José Alves Toledo, Brás Pereira da Silva e Felicíssimo do Espírito Santo, topógrafo residente em Jaraguá. O motivo da reunião era definir o nome do local aonde hoje está situada a nossa cidade. Durante o diálogo, o Sr. José Alves Toledo relatou passeio de canoa pelas águas do rio que banha a região, o Uru, com sua segunda esposa, conta Dona Esmeralda. A sua primeira esposa, Ambrosina Moreira Conceição, foi acometida por pneumonia, vindo a óbito. Ele iniciou namoro com a jovem Ana Machado Parreira, de 16 anos de idade, logo contraiu matrimônio. E do relacionamento nasceram os filhos Ambrosina, Ernestino, Elvira, Guiomar, Janira e José. Voltando ao passeio, Dona Ana Toledo perguntou-lhe o nome daquele rio. O Sr. José Alves Toledo, então, fez um trocadilho: "É Uru, Ana!". Maravilhado com esta história, o Sr. Felicíssimo definiu que aquele local deveria receber o nome de Uruana.
“Mas, não foi bem assim, ficou essa lenda aí”, afirma Ambrosina Alves Pires.
Em relato de Dona Ana “o Sr. Brás jamais poderia ter participado da reunião citada, pois o mesmo teria recusado a doar um pedaço de suas terras para tal empreendimento. Outra contradição é o fato de Dona Ana saber muito bem o nome do rio, visto ser filha da região, apenas o Sr. José Alves Toledo veio de fora, de Minas Gerais. No entanto, foi essa a forma das partes excluídas do processo de escolha do nome da cidade, de explicar o contexto da criação do nome do lugar que ajudaram a construir” (Toledo, 2003, p. 24).
A história percorre o tempo, no imaginário coletivo, tornou-se uma verdade. Como diria Joseph Goebbels: "Uma mentira, dita mil vezes, torna-se verdade". Nesse contexto, Biá pronuncia: “Olhe: uma coisa é o fato acontecido, outra coisa, o fato escrito”. (Narradores de Javé, 2003, “0:25’:50’’ - 0:25’:58’’)
Nessa perspectiva, é notória a existência da busca pelo direito, mesmo nas sociedades ágrafas, conforme “o direito arcaico pode ser interpretado a partir da compreensão do tipo de sociedade que o gerou” (Wolkmer, 1990, p. 44). “Tudo se reduz ao diálogo, à contraposição enquanto centro. Tudo é meio, o diálogo é o fim. Uma só voz nada termina, nada resolve. Duas vozes são o mínimo de vida”. (Bakhtin, 2011, p. 34)
Uruana é palavra de origem grega com o significado de Celestial. Em Tupi-Guarani, significa literalmente Semelhante ao Uru.
Resgatando os detalhes desta história, observamos os diferentes discursos de um mesmo acontecimento, chegando à conclusão onde se investiga o todo na perspectiva coletiva de diferentes versões de mesmo fato. Na história não há a “verdade pronta e acabada”, suas estruturas pautam-se por longo processo de adaptação e transformação.