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Conflitos Sociais

Dhiogo José Caetano

dhiogocaetano@hotmail.com

Uruana: Patrimônio Histórico

O povo e a construção da identidade uruanense

A igreja; A dama de branco; Ela exala paz; É vista de longe; A matriarca histórica; A noiva que inspira; Um monumento vivo...

Pelo Brasil  –  09/09/2025 19:21

 
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(Fotos: Arquivo)

Construção da Igreja Matriz no início dos anos 1950

“Naquele tempo era tudo na marreta, os meninos iam lá para quebrar pedra, ganhar dinheiro, depois faziam a festa... Juntavam o dinheiro para investir na obra. Não foi o Poder Público que construiu não. Foi o povo mesmo!” (Professor João Batista)

No Brasil, a Igreja Matriz tradicionalmente era a base de união e criação de uma nova cidade. Segundo Mateus Rosada (2014), o direcionamento era feito a partir dos adros das Matrizes, as linhas para onde as cidades cresceriam. A ideia de colonização territorial e ideológica, surgiu na Grécia, segundo o historiador Guto Josman. A igreja era um ponto de fé, paz e propulsão do surgimento das vilas e cidades.

Nos conta Maria Gilsa Pessoa Pereira, que por ser religioso, o Sr. José Alves Toledo pensou logo em construir a igreja, sendo ela umas das primeiras construções do Município de Uruana.  Nos conta Ambrosina Alves Pires, filha do Sr. José Alves Toledo e Dona Ana Toledo, que “tinha uma igreja pequeninha, no mesmo lugar onde hoje é a Matriz, tipo capa de cangaia mesmo, não era uma igreja, mas uma capelinha”.

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Reunião na Capela São Sebastião em 1939 

Diante da singela igreja a cidade foi sendo forjada com casas no estilo colonial, os habitantes homens e mulheres do campo, trabalhadores que tiravam da terra o sustento. Os sonhos daquele povo ganhavam forma sob o olhar da igreja.

E foram sendo instalados os primeiros comércios, surgindo os pontos de conexão da população fixa com a coletividade circunvizinha. A Festa de São Sebastião era o grande acontecimento do ano, movimentando o comércio local.

A partir do estudo das festas percebe-se que, em meio à sua formação, há programas de cunho positivista, que levam grupos sociais à busca de sistemas e códigos, os quais ignoram a ordem social, relativamente suspensa, reforçando a coesão entre os mesmos, alimentando o sistema e códigos por eles criados. Pode-se encontrar manifestações tranquilas em uma coletividade, que movimentam em meio à tipologia plural das festas, reduzindo as dificuldades presentes na vida social.

Com a popularização da festa o grande fluxo de pessoas não cabia na Capela, ficando então o grande aglomerado de pessoas em frente à construção, surgindo daí o desejo de construir a nova Matriz. Sobre este novo espaço o pensavam de forma organizada em espaço que melhor acolheria as pessoas, construindo o Coreto, a ser utilizado na realização de leilões e apresentações artísticas locais e regionais.  As celebrações, segundo Ambrosina Alves Pires, aconteciam durante o dia, devido à ausência de energia elétrica.  

As festas relacionam a diversos aspectos sociais, culturais, políticos, religiosos, na conduta de rituais, e eram utilizadas como defesa da vida coletiva, contra a ameaça de desordem ou destruição, com relação à morte, sexualidade e fome, conjuntos de fatores enfrentados no dia a dia. Os sociólogos percebem as festas como poderosa denegação dos códigos e leis estabelecidos pela sociedade, sentimento radical presente nas diversas formas culturais existentes.

O desejo de construir a nova Matriz retratava vontade coletiva. O recurso para a obra seria gerado pelo próprio povo, através das arrecadações de leilões realizados na igreja. Dona Esmeralda conta que a pequena Capela ficou dentro da estrutura da nova Matriz. A obra foi realizada por etapas, levando quase cinco anos para ficar pronta, segundo o Editorial de 1978 da revista “Arte & Manhas - Especial Uruana”. O maior monumento da cidade foi inaugurado no dia 29 de março de 1954, pelo vigário Monsenhor Lincoln Monteiro Barbosa. O projeto e o planejamento arquitetônico foram idealizados pelo engenheiro alemão Vicent Fritz, que doou a planta ao Sr. José Alves Toledo. Fritz, também desenhou a casa do Dr. Jairo, o Ginásio de Uruana - atual Escola Estadual Zico Monteiro e a casa paroquial. Os traços da arquitetura francesa Art Déco - estilo puro, clean, luxuoso, uso de formas geométricas, linhas retas e circulares estilizadas, tornaram a igreja em um dos monumentos mais belos de Goiás.

Segundo Maria Gilsa Pessoa Pereira, a simbologia da torre da igreja faz menção a Nossa Senhora: “Lá em cima, no fim da torre da igreja, tem a estrutura geométrica com uma bolinha em cima, simbolizando o corpo e a cabeça de Nossa Senhora. Em homenagem à Mãe que todos os uruanenses acreditavam”.

Segundo Dona Ana Toledo: “A escolha do padroeiro da cidade foi uma homenagem a São Sebastião, o protetor de seu esposo” (Toledo, 2003, p. 33).

"A memória coletiva foi fundamental para alicerçar a história do povo uruanense, também uma das dimensões da ação coletiva e vínculo de poder. A memória não é, portanto, um espaço homogêneo. Nesse proceder a história científica é o conjunto de produção social da memória analisada através de vertentes da Historiografia contemporânea, que procura pensar tal relação, propagando total cisão entre memória e história, uma fusão completa das sociedades contemporâneas" (Cardoso, Vainfas, 1990, p.127-129).

Ao analisar as festas, encontram-se mediações privilegiadas, entre dimensões e estruturas variadas, unindo o passado ao presente, presente ao futuro, vida e morte, o sagrado e o profano, fantasia e realidade, simbólico e concreto, mitos e história, o local e o global, a natureza e a cultura entre muitas outras. As festas constituem evento transcendental, um mundo ideal, sem tempo nem espaço, onde a imaginação tudo pode engendrar, transformar e refazer.

Uma solução simbólica, pois, ao unir o ser ao não ser, através  da realização de todas as utopias, ainda que por breves períodos, coloca em cena, por  meio de seus aspectos mais dramatizados, projetos coletivos e individuais, concretizando sonhos, anseios e fantasias, ao mesmo tempo em que, longe de constituir um fenômeno alienante, separado e distante da vida real, volta-se também à resolução de problemas reais, através da organização dos grupos em nível local, visando por exemplo, sempre buscar lucros, seja para fins sociais, políticos, econômicos e religiosos.

Nas sociedades tribais a ritualização, os espetáculos festivos canibais tinham como objetivo dissolver fundamentos culturais da sociedade que, efetivamente, penetravam uma na outra. A ideologia religiosa propagaria o sistema de ação, realizada por símbolos, que se transforma em realidade social por meio de ritos e sacrifícios.

Em meio ao processo, que ligava as questões das festas de índios e negros, resta ainda o desafio de focalização da imensa variedade de festas “brancas” na história da América Latina e Caribe. O tema impõe o ideal das festas como cerimônia comemorativa das conquistas dos europeus e seus descendentes “criollos”, os quais enfatizam sua superioridade militar através dos torneios ritualizados a partir do modelo Ibérico da festa de Mouros e Cristãos. Tais momentos festivos celebravam a dominação branca sobre os índios e negros na América, também representavam sua importância enquanto instrumentos de superação dos conflitos no interior da elite dominante.

As festas estão representadas em manifestações que expressam momentos cruciais de enfrentamento entre grupos sociais, identidades em processo de afirmação e criação, intensa circulação de consumo, investimentos políticos, produção de novos sentidos, artes, estilos, moda, outros. Cada festa é um lugar de memória e utopia, destaca o lúdico, foge da rotina, sendo encontro social entre as diversidades culturais, onde os indivíduos são levados ao delírio coletivo o qual absorvem ou por ele são devorados.

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A Festa de São Sebastião em 31 de julho de 1940 

Aos pés do Morro do Braz, a festa em homenagem ao padroeiro da cidade, São Sebastião, evento de caráter religioso, cultural, econômico e social. No decorrer dos anos, a festa vem integrando a cultura deste povo goiano, composto por pessoas simples e hospitaleiras.

Uma celebração que, por anos, tem como essência a mística religiosa. Nos dias atuais, após anos de execução, a fusão com outras formas de cultura torna a festa de caráter popular, a junção entre sagrado e profano. A simbologia sagrada da festa parte da igreja, no coração da cidade, de forma profana toma a avenida central. O ato de construir barracas em volta da capelinha, a fim de melhor acolher os fiéis, tornou uma prática cultural e econômica de expansão da festa para além das paredes da Igreja Matriz. Popularmente os uruanenses nomeiam o evento anual de Festa da Barraquinha. A festividade corrobora na construção do folclore deste povo que, durante dez dias de festa, promove momento de entretenimento, troca cultural, reforça seus votos religiosos de forma tradicional e coletiva.

As barraquinhas que hoje ocupam a avenida principal, que leva o nome do fundador, fazem voltar no tempo, de acordo com Dona Ambrosina Alves Pires.  Dona Ambrosina, lembra que as barracas eram construídas ao redor da pequena Capela. O objetivo era ampliar a mesma que não conseguia atender a demanda por espaço, deixando a multidão do lado de fora. Hoje as barracas, de múltiplas cores, colorem a Avenida José Alves Toledo, evento aguardado pelos uruanenses que desejam comprar inúmeros e diversos objetos provenientes de diferentes lugares do país, a fim de suprir diversificados anseios.

No decorrer da festa a troca cultural ocorre entre os indivíduos locais e vendedores ambulantes que trazem a linguagem e cultura diferentes da nativa na região, promovendo, de forma natural, valioso intercâmbio de culturas. É notório que a Festa da Barraquinha tornou patrimônio do Município de Uruana, trazendo em seu arcabouço a composição da identidade cultural do povo uruanense. 

 

Por Dhiogo José Caetano  –  dhiogocaetano@hotmail.com

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