Publicidade

Premiação 2026

Conflitos Sociais

Dhiogo José Caetano

dhiogocaetano@hotmail.com

Retrato do Brasil

Uruana: um mergulho na história local

O interior, os meios de transporte, o progresso, as influências ideológicas e a cultura política

Pelo Brasil  –  15/09/2025 19:11

12089

 

(Fotos: Arquivo)

Primeiro posto de combustível,
proprietário Sertório, em 1950

 

No interior de Goiás o movimento de homens do campo, pessoas simples de costumes regionais, oriundos das inúmeras cidades do Brasil. As construções rústicas das casas de adobe, pau a pique, quintais grandes e frutíferos que cultivavam cidreiras, figueiras, abacateiros, mamoeiros, bananeiras, jabuticabeiras, mangueiras. No terreiro era comum encontrar pés de dama da noite, jasmim, buquê de noiva, beladona, onde o aroma das flores auxiliava no dispersar do odor das latrinas, pocilgas que compunham o ambiente.

No entorno dos grandes quintais o Cerrado se apresentava de forma majestosa, “as nossas matas eram bonitas, cheias de cultura, terra boa, com água e muita vida” (Braz José Pereira). Nas matas virgens destacavam a aroeira, baru, cedro, copaíba, angico, ipê, jequitibá, cajueiro, paineira, pau terra, pimenta de macaco e outros. Porém, “o pequizeiro, era o meu favorito, desde pequena, sempre gostei de pequi, fazíamos sabão, doce, refogado, chupava o carroço do pequi até cru. O pequizeiro é uma majestade das nossas matas, a cidade poderia até ser reflorestada com pequizeiros. Além de belos nos oferecem os seus belos e suculentos frutos” (Sebastiana Gomes Veloso)

Em busca de sobrevivência e adaptação os migrantes vindos para a região utilizavam madeiras nobres encontradas no Cerrado na construção de pontes, currais, pocilgas, postes, casas e outros. Os moradores tentavam reconstruir a vida do campo no povoado que, aos poucos, foi se assentando nas margens do Rio Uru.    

Na origem do povoado, uma das limitações era o acesso e o transporte, devido à ausência de estradas, pontes, quando o carro de boi, balsa, carroça, cavalo eram meios mais comuns de ir e vir. “No início era muito difícil chegar e sair do povoado”, conta Dona Ambrosina Alves Pires. Realizar uma viagem naquele período era uma aventura.

O cavalo e a mula eram também utilizados como meio de transporte, porém, ter um bom cavalo e cela era artigo de luxo, ostentado pelos grandes fazendeiros. “Ter um animal bonito, sadio, cela nova, o traje de cavaleiro, você era considerado um homem rico”. (João Batista de Almeida - João Baiano)

O tempo seguia os seus meandros, trazendo o progresso para a pequena cidade, logo surgiram os primeiros comércios, armazéns de cereais, mercearias, marcenarias, sapatarias, até um espaço cultural, o Cine Uruana, ambiente revolucionário para o contexto da época.

No início da década de 1950, alguns privilegiados circulavam pela pequena cidade em automóveis de passeio, modernidade para poucos cidadãos à época. “Carro, a gente nem pensava, o desejo era ter uma geladeira e aparelho de TV, assunto nas rodas de conversa” (Ambrosina Alves Pires). Segundo a historiadora Keila Caetano: “Em meados da década de 1960 a cidade já contava com famosas lojas, tais como Casas Riachuelo, Lojas Pernambucanas, Casa da Lavoura, casas de ferragens, além de importantes Instituições como a Receita Federal, Delegacia do IBGE, Previdência Social, grande parte desses, transferida posteriormente para a Região de Ceres, surgida enquanto colônia agrícola” (Caetano, 2003, p. 46).

O trabalho na roça era predominante. Homens, mulheres, heróis, guerreiros, trabalhadores, agricultores, cidadãos. Seres com sabedoria de manipular os elementos da terra, sábios da hora de plantar. O homem em comunhão com terra, relação de respeito, vida e sobrevivência. “O homem respeitava a terra, a vida, tudo era feito com amor”. (João Batista de Almeida - João Baiano)

Com a mão de obra escassa, grande era a demanda no campo. As famílias viviam literalmente do que plantavam. “As famílias eram numerosas, os pais tinham muitos filhos com objetivo de utilizar os mesmos como mão de obra na lida do campo. O pai desejava que os filhos mais velhos fossem homens, para ajudar na produção de recursos que auxiliaram na criação dos filhos que chegariam”. (Lucinete José Veloso)

Devido a carecimento de mão de obra as famílias juntavam, se ajudavam nos grandes mutirões. Com a união de muitos não faltava o pão. Conta o professor João Batista que “geralmente os serviços que mais exigiam a realização dos mutirões eram as roçadas, a quebra do milho e a colheita do arroz” (Batista, 2003, p. 49).

02_17

Quinca Alfaite, Anapolino Silvério de Faria, Geraldo Rosa,
Dr. Jairo Ferreira de Castro em meados dos anos 1950

Na construção da história brasileira nota-se a preocupação com a representação do passado, algo construído diante da cultura política e histórica vivida na contemporaneidade da sociedade local. Na análise de Ângela de Castro (2007), a cultura-histórica e cultura-política estão intimamente relacionadas, ao mesmo tempo, interferem e influenciam diretamente na produção da historiografia. Getúlio Vargas buscava estruturar, tornar forte o Estado Novo. Preocupando com a história nacional que “abandona” a história regional, aprofundando na busca da hegemonia da história brasileira. Cabe aos historiadores construir uma história de múltiplos ângulos.

Mediante ao contexto, mergulhemos na história local, em momentos que influenciaram na história regional e nacional. Na década de 1950, o Mundo vivenciava a caótica instabilidade político-ideológica gerada globalmente pela Guerra Fria - período de tensão entre Estados Unidos e União Soviética. No Brasil, a Guerra Fria teve atuação marcante, o rompimento direto com a URSS resultou na dependência com os Estados Unidos. Não se deve deixar de destacar, no decorrer da Guerra Fria foi instaurado, no Brasil, um dos momentos mais duros de sua história, retratado na Ditadura Civil e Militar.

Histórica, a problemática perpassa o contexto de bestialização dos indivíduos alienados à realidade imposta pelo sistema polarizado. Incapazes em questionar o tal setor competente, que deveria trabalhar estatísticas no que refere à expectativa de vida, mortalidade infantil, acesso à saúde, educação, saneamento básico, água tratada, direito de ser, de pertença. A realidade de setores tramados, responsáveis pela proteção dos indivíduos coletivizados, é a da gastança excludente de recursos burocráticos, fato que emperra o acesso aos direitos sociais.

Os direitistas brasileiros, no poder, temiam pela sobrevivência do Partido Social Democrático (PSD), liderado pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira. Em Goiás o governador, José Ludovico de Almeida era da mesma agremiação política. E em Uruana, o prefeito em atuação, Dr. Jairo Ferreira de Castro, também fazia parte da Bancada do PSD, iniciando o movimento que influenciava na aversão a qualquer agitação de convergência esquerdista nos campos nacional, regional, local.

As diversidades surgiam das múltiplas esferas, porém, o trabalho não podia parar. Dr. Jairo seguia com todo o potencial, ofício de servir o povo, adotando discursos emblemáticos. O povo acreditava nos objetivos apresentados por Dr. Jairo, que visava melhorias capazes de marcar aquele período como o mais fecundo. Com o apoio dos populares, foi reeleito no ano de 1957.

03_15

Dr. Jairo Ferreira de Castro e correligionários nos anos 1960

Segundo Dona Esmeralda, Dr. Jairo, era um homem que trabalhava para o povo e pelo povo. Conta-nos a pioneira que “ao Posto de Saúde, à época conhecido como posto de higiene, chegavam pessoas de vários lugares da zona rural. Jairo só vinha em casa almoçar após atender o último paciente, não havia horário de expediente. Ele atendia a todos que lhe procurassem em casa, gratuitamente, a grande maioria não tinha recursos para pagar a consulta” (Castro, 2003, p. 40).

“O Dr. Jairo fez a diferença na vida dos uruanenses, sendo salva guarda de muitos”. (Sebastiana Gomes Veloso)

04_15

Ginásio de Uruana,
atual Escola Estadual Zico Monteiro, anos 1960

Entre os acontecimentos emblemáticos, o dilema que envolveu o Ginásio de Uruana, prédio que destacava entre as construções da época, porém, não inaugurado no primeiro mandato do Dr. Jairo, devido à falta de recursos financeiros. Dona Esmeralda conta que a edificação foi indevidamente utilizada como cortiço por famílias de migrantes nordestinos, no mandato do Sr. José Monteiro Sobrinho, o Zico Monteiro, tendo a estrutura totalmente danificada e restaurada no segundo mantado do Dr. Jairo. E mesmo com o desinteresse do Sr. Zico Monteiro - segundo prefeito do município - o prédio foi nomeado pelo governador José Ribeiro (1961-1964) com o nome do mesmo.

Os retratos do Brasil contemporâneo descrevem seu povo a assistir “bestializado, as movimentações históricas”, afirma José Murilo de Carvalho. As interpretações que destacam o Brasil do alto, dos vencedores, esquecem a narrativa dos vencidos. Existe uma Nação que estuda, movimenta e grita, porém, é silenciada, abafada, esmagada por idealizadores elitizados, animalizados do poder abruptamente sucumbido pela ignorância.

Entre os detalhes, memórias e retalhos desta história, destaque para o ser humano que diante de múltiplos desafios agiu com resiliência, empatia. Dr. Jairo, no arcabouço histórico da política local e regional deixou legado de ética e amor ao povo que viu, no seu ideal, o possível progresso do povoado que visava a ordem e o desenvolvimento. “O Jairo era um homem exemplar, pai sábio, político integro, médico que dedicou a vida em prol da vida, amante das orquídeas, migrante mineiro que tornou um cidadão uruanense”, afirma Dona Esmeralda, sua esposa.

05_14

Inauguração Banco do Estado de Goiás,
Uruana, em 15 de agosto de 1965
 

 

Por Dhiogo José Caetano  –  dhiogocaetano@hotmail.com

Seja o primeiro a comentar

×

×

×