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Conflitos Sociais

Dhiogo José Caetano

dhiogocaetano@hotmail.com

Opinando e Transformando

Arthur de Lacerda é o 55° entrevistado na série sobre cultura

Objetivo é formar um mosaico com o que cada um pensa desse universo multifacetado

Pelo Brasil  –  09/09/2018 19:26

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(Foto: Divulgação/Bruno Ribeiro)

“O espaço digital deve concorrer com a vivência, não a pode substituir”

 

Arthur Virmond de Lacerda Neto é o 55° convidado na série de entrevistas “Opinando e Transformando”. Uma oportunidade para os internautas conhecerem um pouco mais sobre os profissionais que, de alguma forma, vivem para a arte/cultura. Confira: 

> Nome: Arthur Virmond de Lacerda Neto.
> Breve currículo: Nasceu em Curitiba (é curitibano, porém não curitiboca) em 1966; graduou-se em Direito; tirou mestrado em História do Direito, em Lisboa; leciona Direito há 25 anos. Publicou 15 livros, dentre eles: "Provocações", "A república positivista. Teoria e ação no pensamento político de Augusto Comte"; w "Estudos de Direito Romano".

> Em sua opinião, o que é cultura?

Cultura, em sentido assaz alargado, compreende tudo quanto a humanidade sabe e faz: todo o conhecimento e toda a produção (intelectual, artística, material) acumulados ao longo dos tempos pelas sucessivas gerações. Religião, arte, tecnologia, literatura, valores, objetos, os produtos humanos são-lhe produtos culturais, frutos do engenho e da capacidade de inteligir, construir, transformar, da humanidade.

Em sentido específico, cultura compreende o conhecimento elevado, o discernimento acurado, o comportamento judicioso: o homem cultivado, que se eleva por sobre o nível médio do homem comum (de "cultura" prosaica), que sabe mais, que lê e até relê autores fundamentais, que se interessa por arte, música, história, filosofia, ciência, literatura, idioma; que exerce esforço sobre si próprio no sentido do seu melhoramento; que procura conduzir-se com critério e maturidade; cuja escala de valores difere da do vulgo, em direção ao aprimorado e sofisticado, este é culto, diferentemente dos demais, incultos (que, aqui, não equivalem, não inerentemente, a ignaros).

> Você se considera difusor cultural? Qual é o seu papel neste vasto campo da transformação mental, intelectual e filosófica?

Julgo-me difusor cultural, de importância minúscula, na medida em que os meus livros obtiveram uma só edição, em tiragem reduzida, salvo "A república positivista", que já conta com três edições. Mantenho três blogues, de que um concentra artigos da minha autoria, alguns maiores e outros exíguos, relativos a diversas matérias, escassamente lidos, embora, nos anos de 2014 a 2016, os meus textos concernentes à nudez natural tenham tido vinte miríades de leitores.

Creio que exerci algum papel na transformação do etos dos brasileiros, em prol da erradicação do pudor, como vergonha do corpo, causa em que tenho sido insistente. Os milhares de acessos que obtiveram os meus artigos a respeito (sobretudo "Nudez e vergonha do corpo") terão contribuído para suscitar a reflexão de muitas pessoas e para substituir o desvalor do pudor pelo valor da naturalidade da nudez.

Também sou insistente na valorização do vernáculo e da sua forma culta; bem assim, empenho-me em repor a verdade acerca da colonização do Brasil. Trata-se de dois âmbitos do conhecimento em que prevalecem a ignorância, a impregnação ideológica e o preconceito. A forma culta do idioma é valiosa e merece adesão; a colonização portuguesa no Brasil foi superior às homólogas inglesa (nos E.U.A.) e holandesa (no nordeste ocupado pelos holandeses) e apresentou virtudes.

Bato-me, também, pela divulgação da obra de Augusto Comte, o Positivismo, a cujos valores e doutrina aderi na minha juventude e que professo desde então. O Positivismo acha-se presente em alguns dos meus livros e no blogue que lhe dedico especialmente. Penso que o Positivismo, como conteúdo intelectual, como orientação existencial, como filosofia da história, como influência no Brasil, é rico de sugestões e merece mais atenção e difusão.

Para além destes domínios, manifesto-me, com informações e ponderações, sobre outros, como homossexualidade, crítica literária, costumes, humanismo, no Facebook e no meu blogue, em que dispus material que se vai avolumando, com influência duvidosa: trato quer de matérias de interesse geral, quer de temas menores; digo nada sobre política. No ambiente politizado que é a ideosfera do brasileiro, atualmente, a política atrai as atenções muito mais do que temas a ela alheios. Politicamente, a minha influência é nula, nem pretendo exercer alguma; prefiro dispor às pessoas reflexões de interesse menos candente e mais duradouro do que os da política.

Não escrevo para disputar nem para agradar: escrevo o que penso e o que sinto, com independência na eleição dos temas e na forma como os analiso. Considero elementares, da parte de quem emite opiniões, as exigências da sinceridade, da boa-fé e da humildade: exprimir-se o que se pensa ou sente e nada diferente disto; falar-se com conhecimento de causa, não transmitir como certo o que seja duvidoso ou falso; estar-se disposto a retificar percepções e juízos (se considerar justificável), perante o alargamento das informações de que disponha ou em razão de argumentos, observações, ponderações alheias, se for o caso.

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A dificuldade ou facilidade de se transmitir mensagens ao público não radica no veículo da transmissão, porém no interesse do destinatário em apreender a informação ou ("a contrario") no seu desinteresse, que o leva à indiferença por ela.

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> Como você descreve o processo de aculturação, ao longo da formação da sociedade brasileira?

O Brasil formou-se, essencialmente, com base na cultura portuguesa, a que se misturaram componentes, de valor secundário, de matriz autóctone, africana, ucraina, polaca, alemã, italiana e japonesa. A nossa matriz cultural é portuguesa, abrasileirada, ou seja, enriquecida com as experiências por que passaram os brasileiros e com as influências a que se acham expostos: nativismo lusófobo ao tempo da independência, seriedade dos homens públicos durante o período imperial e durante considerável parte da fase republicana, receptividade ao próximo (exceto em Curitiba), algum complexo de inferioridade para com o estrangeiro, padrão cultural raso da maioria dos brasileiros, presença de formas primitivas de religiosidade popular; conservadorismo de costumes, fraco espírito de amor pelas liberdades; atualmente, paixões políticas como fator de rudeza e até de segregação entre antagonistas.

> Que problemática você destaca na prática da difusão cultural?

Na prática da difusão cultural, é problemático atingir o público: obter a coincidência entre o que se escreve e o que outrem deseja ler. A transmissão de informações, artigos, opiniões, imagens, facilitou-se enormemente com os meios eletrônicos (redes sociais, blogues); correlatamente, facilitou-se enormemente o acesso à informação.

A dificuldade ou facilidade de se transmitir mensagens ao público não radica no veículo da transmissão, porém no interesse do destinatário em apreender a informação ou ("a contrario") no seu desinteresse, que o leva à indiferença por ela.

As pessoas interessam-se, em diferentes graus, por diferentes temas, em diferentes tempos. No presente, por exemplo, a política e as atualidades atraem acentuadamente; atrai menos o que não entende com o presente político, social, econômico, e sim com temas aptos a transcenderem o efêmero e que exijam abertura de espírito para a alta cultura. Digo nada sobre política; raramente digo acerca de atualidades; digo predominantemente a propósito de temas de interesse (em tese) duradouro e que exigem abertura de espírito para a cultura que transcende o efêmero e o superficial. Possivelmente por isto, o meu público leitor é diminuto: não escrevo para a massa, embora me alegrasse que também ela se interessasse pela minha produção, em livros e nos blogues que mantenho.

> Comente o espaço digital; destaque-lhe a importância no cenário cultural.

O espaço digital, contemporaneamente, é o lugar por excelência do compartilhamento da informação; é como se a rede (de computadores) fosse onisciente. Ao menos, graças a ela, acede-se à informação com prontidão inédita em toda a história da humanidade. Há mais informação disponível, o que não equivale, não necessariamente, à melhor informação nem à relevante. Ao contrário: há notícias falsas e, dentre a abundância do que se escreve e se lança ao público, é imperioso selecionar e saber distinguir o veraz do mendaz, o importante do trivial, do raso, do desimportante.

Nada, contudo, substitui nem dispensa a contemplação presencial de belas obras de arte, a frequentação de museus, a leitura concentrada de poesia, de ficção, de bons livros que propiciem enriquecimento cultural ao leitor. Pode-se ler em tabletes os mesmos textos que se lê impressos, e observar, na tela dos monitores, as produções pictóricas, porém constituem experiências mais ricas e significativas a de observarem-se telas presencialmente e a de dispor-se do livro, como objeto dotado da materialidade ausente do texto que se lê nos tabletes. Em suma: o espaço digital deve concorrer com a vivência, não a pode substituir.

> Qual mensagem você deixa para todos os fazedores culturais?

Deixo-lhes a mensagem de que atuem com responsabilidade intelectual e simpatia humana. Responsabilidade intelectual corresponde a saber do que se fala e somente falar-se do que se sabe, em resultado de aturado estudo. Ela também implica o apreço pela verdade e o desapreço pelas paixões, que levem a julgamentos tendenciosos. Espírito desarmado, serenidade, estudo.

Simpatia humana, no sentido positivista, significa ver as pessoas, a cultura, os problemas, as soluções, com empatia e disposição mais de contribuir para melhorar do que para acusar e censurar (conquanto a censura possa ser valiosa). Espírito construtivo, ânimo de somar.

Também lhes deixo a mensagem de que, independentemente das suas preferências políticas e da sua eventual militância política, saibam separar a atividade cultural da militância política; em sentido amplo, a segunda contém-se na primeira, contudo, lhe deve ser ancilar: a cultura, como produção do conhecimento, do verdadeiro, do bom, do belo, não precisa nem deve ser dependente de causas políticas. A cultura não precisa de ser dependência da política; ao invés: deve existir por si só, como obra de melhoramento da sapiência humana e não (apenas) como atuação em prol de projetos partidários.

O saber humano transcende a política; sem negar importância à segunda, o primeiro vale mais: quem for capaz de acrescentar discernimento, conhecimento, beleza, ao patrimônio humano, que o faça com liberdade, destemor e autonomia relativamente às premências das disputas políticas. Nada disto inibe que o intelectual participe da política: que o faça na condição de militante, não na de intelectual, o que também não inibe que empregue a sua inteligência para aperfeiçoar a sua militância; ao contrário: é desejável que a política seja esclarecida, lúcida e bem intencionada. A disputa política é circunstancial, efêmera, volúvel; o conhecimento tende a ser universal, duradouro, cumulativo: quem produz cultura acha-se na segunda situação; quem produz política, acha-se na primeira e um se distingue do outro na medida em que um aspira ao poder, ao passo que o outro aspira ao saber, o que lhes faz toda a diferença e faz diferença para os respectivos receptores.

> Clique e confira todas as entrevistas da série sobre Cultura "Opinando e Transformando"

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Por Dhiogo José Caetano  –  dhiogocaetano@hotmail.com

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