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Crônicas de Humor e Entrevistas Poéticas

Isabel Furini

isabelfurini@hotmail.com

Como Eu Poderia Saber?

Essa gordinha é dançarina?

Sérgio olhou pela janela e viu; viu o que não esperava ver; um riso explosivo tomou conta de seu corpo; engasgou de tanto rir

Colunistas  –  25/08/2023 11:26

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(Foto Ilustrativa - Gerada por Inteligência Artificial)

“Venham, rapazes, venham ver o elefante dançando... E hoje não está de verde, está de roupa azul. Vejam uma baleia azul! Uma baleia azul! Vejam a baleia azul!”

 

 

Na terça-feira, Lucita e Glorinha entraram na Academia da professora Lourdes. Eram nove meninas entre 11 e 13 anos, uma mais bonita do que a outra. Difícil escolher, diziam os rapazes que espionavam pela janela da frente as moças dançando. Nesse dia o Sérgio olhou pela janela e viu... Viu o que não esperava ver. Um riso explosivo tomou conta de seu corpo. Engasgou de tanto rir.

- Venham, rapazes, venham ver o elefante dançando... E hoje não está de verde, está de roupa azul. Vejam uma baleia azul! Uma baleia azul! Vejam a baleia azul!

Lucita, com lágrimas nos olhos fechados, revoava enquanto meia dúzia de rapazes, do lado de fora, gritavam frases ofensivas: A gorda pesa 200 quilos. É maior do que uma baleia. As pernas da gorda parecem colunas. A barriga parece uma espaçonave.

A professora fechou a janela, cerrou as cortinas e acendeu a luz. Tarde demais, a Lucita corria ao banheiro para chorar. A professora e Glorinha foram atrás dela. Tentaram consolá-la. Tudo em vão.

No dia seguinte, Lucita chegou à escola e os companheiros, rindo, cumprimentaram-na em coro: “Bom dia, Baleia Azul”. Até um menino da primeira série perguntou-lhe no recreio: “Você é a Baleia Azul?”.

Lucita não queria mais ir à escola, entrou em depressão e teve que fazer terapia. O psicólogo fez regressão de idade para entender melhor o problema da Lucita. Aconselhou-a a continuar as aulas de dança, pois, além de ela gostar de dançar, a professora dizia que tinha uma sensibilidade especial para acompanhar os movimentos mais difíceis.

- Meu pai trabalhava num banco. Era caixa. Poucos meses depois foi nomeado gerente de uma nova filial em São Paulo. Graças a Deus, pensei eu. Ser chamada de baleia azul era um pesadelo. Em São Paulo há muitas escolas de dança excelentes e continuei os estudos com a professora Nádia. Anos depois, curada e magra, dediquei-me à dança profissionalmente.

Na última apresentação em Curitiba, Lucita dançou maravilhosamente. Seus movimentos eram suaves e insinuantes. Foi muito aplaudida.

Ao terminar o espetáculo, Sérgio foi até o camarim e, desesperado, pediu:

- Não vá embora Lucita... Por favor, fique comigo esta noite.

Lucita, com um sorriso de triunfo, sentou-se na cadeira frente ao espelho. Tenho um presente para você, Sérgio. E tirou de uma sacola uma baleia de cerâmica de cor azul. Esta baleia é para que você se lembre sempre de mim... Porque você se esqueceu da menina gorda, da sexta série, da menina que você humilhava, da menina que chorava no banheiro porque você a chamava de baleia azul.

Sérgio ficou boquiaberto... Mas não disse uma palavra. Não sabia o que dizer.

Lucita voltou a São Paulo e continuou aperfeiçoando-se na dança. As revistas especializadas elogiavam seu trabalho.

Uma noite, Sérgio estava bebendo cerveja com os amigos. O bar estava cheio de gente. Perto do mostrador de madeira escura, a televisão ligada.

- Sérgio, olhe a Lucita dançando! - gritou o Orelhudo.

- Você perdeu uma mulher maravilhosa, Sérgio... E foi por você ter sido burro quando estudante... - Refletiu Luciano, enquanto comia batatas fritas.

Sérgio, com o olhar triste, como quem quer se desculpar, disse para os amigos:

- Como eu ia saber que uma baleia podia transformar-se numa gatinha tão linda?! Como eu poderia saber? 

 

Por Isabel Furini  –  isabelfurini@hotmail.com

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