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Vida e Sociedade

Leone Rocha

leone.rocha@gmail.com

O Grande Paraíso

O reconhecimento pelo consumo

É preciso buscar formas de Reconhecimento social mais sustentáveis e adaptativas

Colunistas  –  10/05/2024 18:29

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(Foto Ilustrativa)

No sistema de produção capitalista, pode-se dizer que o consumo é a principal forma de Reconhecimento; consumir é a grande meta a ser alcançada, fortalecendo o indivíduo consumidor em detrimento do tecido social

 

Em outros textos nesta coluna tratei sobre o idealismo alemão e o campo da intersubjetividade inaugurado por essa escola. Desde Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), em seus “Fundamentos do Direito Natural”, até Georg Wilhelm Frierich Hegel (1770-1831), em seu “Fenomenologia do Espírito”, esses filósofos alemães desenvolveram um campo novo de estudo, que fundamentaram, posteriormente, as ciências sociais e humanas e influenciaram profundamente o campo do Direito.

A intersubjetividade humana para esses autores funda-se na ideia do Reconhecimento. O ser humano vive em sociedade e, como ser social, necessita do convívio, do contato, da troca linguística, simbólica e cultural entre seus semelhantes. O reino social oferece as possibilidades da ação social bem como limita essa mesma ação. É o reino da liberdade e do dever simultaneamente. Pensar por esse viés é uma contraposição ao modo iluminista anterior que concebia o ser humano como um indivíduo racional isolado dos demais, política e socialmente determinado unicamente pelo que sua razão euclidiana solucionadora de problemas lhe designava para realizar. É pelo Reconhecimento mútuo que os seres humanos acessam os recursos sociais que estão disponíveis no palco da vida. É a busca por esse reconhecimento que move grande parte das ações cotidianas dos sujeitos no cenário da vida comum.

Na virada do século XIX para o XX a filosofia marxista e o pensamento neokantiano atualizaram o idealismo alemão principalmente nas figuras de Wilhelm Dilthey (1833-1911) e Ernst Cassirer (1874-1945). Certamente, foi principalmente com o marxismo e seus desdobramentos que as contribuições do pensamento social do idealismo alemão, principalmente de Hegel, chegaram até a contemporaneidade. No que compete à teoria do Reconhecimento, seu desenvolvimento ocorreu por meio de um herdeiro contemporâneo da Escola de Frankfurt, uma das principais escolas do marxismo ocidental do século XX. Esse herdeiro chama-se Axel Honneth (1949- ), que emprega a filosofia de Hegel para explicar muitos dos fenômenos sociais contemporâneos.

Em seus livros “A Luta por Reconhecimento” (2003) e “Reificação” (2005), o autor mostra como o Reconhecimento é parte fundamental da vida social. No primeiro livro, demonstra como a luta por Reconhecimento tem tornado-se a demanda principal de cada vez maior número de grupos e pessoas excluídas do acesso a direitos e garantias fundamentais e até mesmo excluídas do acesso à dignidade humana. Essas lutas possuem uma gramática e estão moldando a política mundial. No segundo livro, “Reificação”, Honneth trata de uma categoria antiga do marxismo, que denota a coisificação das relações humanas que o sistema capitalista provoca. O filósofo alemão afirma que essa coisificação ocorre justamente pela ausência de Reconhecimento.

Enfim, chegamos ao tema do texto. No mundo contemporâneo, existem, afirmo, várias formas de obter Reconhecimento. Na sociedade de consumo, consumir, obter produtos que são objetos de desejo pela maioria e de acesso por uma minoria, é uma forma de obter Reconhecimento. Isso é uma forma do que na teoria marxista chama-se “fetichismo da mercadoria”; quando a mercadoria ganha um status maior do que realmente possui, descolado dos seus fundamentos sociais, de sua forma de produção. Para uma minoria que consome os produtos desejados e obtém o Reconhecimento, a admiração da maioria, sobra a escassez a exploração do planeta para essa mesma maioria.

No sistema de produção capitalista, pode-se dizer que o consumo é a principal forma de Reconhecimento. Consumir é o grande paraíso e a grande meta a ser alcançada, fortalecendo o indivíduo consumidor em detrimento do tecido social. Mas isso não é possível para todos, eis sua contradição. Precisamos humanizar esse sistema, diminuir as disparidades e os abismos de diferenças entre pobres e ricos para salvarmos a nós mesmos e o planeta. E isso passa por uma reformulação no que valorizamos, no tipo de Reconhecimento social que buscamos. É preciso buscar formas de Reconhecimento social mais sustentáveis e adaptativas, que fortaleçam o vínculo social ao invés de sustentar um individualismo agressivo e depredatório. 

 

Por Leone Rocha  –  leone.rocha@gmail.com

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