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Crônicas de Humor e Entrevistas Poéticas

Isabel Furini

isabelfurini@hotmail.com

Diva do Avião

O assento da janela e a polêmica que gerou comoção no Brasil

Jeniffer não é cantora, dançarina, atriz nem escritora, mas, em um piscar de olhos, conquistou dois milhões de seguidores

Colunistas  –  07/03/2025 20:35

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(Foto Ilustrativa)

O escritor Jorge Luis Borges, que viveu no século XX, certa vez afirmou: “Vivemos em um século muito medíocre”. Pois bem, o século XXI também não parece ser brilhante.  

 

O filme “Para Roma, com Amor” - dirigido por Woody Allen - apresenta quatro segmentos. Um deles, muito divertido, gira em torno do personagem Leopoldo Pisanello (interpretado pelo ator italiano e ganhador do Oscar, Roberto Benigni). Leopoldo é um homem comum que, de repente, se torna famoso da noite para o dia. A imprensa começa a segui-lo, entrevistando-o ao sair de casa e investigando sua vida. “Você é famoso por ser famoso”, comenta outro personagem. 

Alguns espectadores consideraram essa história fraca em comparação com as outras do filme. Outros criticaram a premissa, argumentando que a fama não surge dessa maneira. Mas, para algumas pessoas, isso acontece. Foi o caso da passageira Jeniffer Castro. 

Alguém poderia se perguntar: Ela é famosa por ser famosa? Jeniffer não é cantora, dançarina, atriz nem escritora, mas, em um piscar de olhos, conquistou dois milhões de seguidores nas redes sociais por causa de um episódio simples e, ao mesmo tempo, bizarro que ocorreu em um voo da Gol. 

O curioso é que personalidades como Gloria Kalil possuem 1,4 milhão de seguidores, enquanto a premiadíssima poeta Adélia Prado - uma das maiores do Brasil na atualidade - não chega a 150 mil. 

Mas o que aconteceu? Uma criança de 4 anos chorava porque queria o assento da janela, e Jeniffer se recusou a ceder seu lugar. Algo trivial, sem grande importância. Mas, nesse caso, outra passageira filmou a cena, e sua filha publicou o vídeo na internet. O inesperado aconteceu: a gravação viralizou. 

Talvez por vivermos em uma época carente de heróis, muitas pessoas projetam esse desejo em figuras aleatórias. Jeniffer foi exaltada de forma exagerada, enquanto a mãe e a criança foram atacadas de maneira vergonhosa por indivíduos ávidos para “organizar” a vida dos outros - talvez porque o mundo seja caótico e organizar a própria vida seja mais difícil. 

É triste ver como alguns defensores da ordem e dos bons costumes esqueceram que crianças de 4 anos podem ficar nervosas e irritadas em voos. Conheço adultos que temem viajar de avião, seja por claustrofobia, seja por aerofobia. 

A mãe relatou que chegou a receber comentários dizendo que deveria “jogar o filho pela janela do avião”. Gente, estamos falando de uma criança de 4 anos! Ela tem o direito de chorar. O episódio aconteceu em dezembro de 2024, poucos dias antes do Natal, período em que se celebra o nascimento de Cristo - aquele que pregou o amor. Muitos dos que xingaram a mãe, achando que ela havia filmado a cena, se dizem cristãos e falam de amor universal. Falar de amor é fácil. O difícil é praticá-lo. 

A atitude silenciosa de Jeniffer dividiu opiniões. Alguns a consideraram arrogante e fria, enquanto outros aplaudiram sua postura, transformando-a em uma “super-heroína” e chamando-a de “diva do avião”. A fama e a fortuna bateram à sua porta. 

Vejamos: Ela apenas decidiu permanecer em seu lugar, um direito que tinha. Mas a imaginação popular criou símbolos e a transformou na “Mulher-Maravilha” do avião. E, assim, ela se tornou uma celebridade - simplesmente por não ceder o assento a uma criança que chorava. Espero que Freud explique! 

O escritor Jorge Luis Borges, que viveu no século XX, certa vez afirmou: “Vivemos em um século muito medíocre”. Pois bem, o século XXI também não parece ser brilhante. 

Lembrei-me do filme “Não Olhe Para Cima”, no qual dois astrônomos tentam alertar políticos, jornalistas e o público sobre um cometa prestes a colidir com a Terra. Mas as pessoas estão mais preocupadas com a vida amorosa de um casal de cantores famosos. 

Na vida real, algo semelhante acontece. Enquanto guerras, a insegurança nos bairros e a economia mundial em declínio são ignoradas, a moça que simplesmente disse “não” a uma mãe em um avião viu sua base de seguidores disparar, ultrapassando dois milhões. Assim, sem fazer nada de extraordinário, ela realizou o sonho de qualquer influencer. 

Grandes marcas já lhe ofereceram contratos milionários. Mesmo assim, Jeniffer reclama dos comentários de pessoas que afirmam que teriam cedido o assento para a criança. Mas é preciso lembrar que essa única filmagem a catapultou para o mundo das celebridades. 

Como sempre, a fama tem um preço: polêmicas, estresse, ansiedade. O novo famoso descobre que sua vida se torna pública. Esse é o lado negativo de quem alcança notoriedade midiática. Como já diziam os antigos filósofos: Quem quer uma rosa precisa aceitar os espinhos. Ou, como bem disse minha amiga gaúcha: 

Bobeira é tomar chimarrão com água fervendo e achar que não vai queimar a língua”. 

 

Por Isabel Furini  –  isabelfurini@hotmail.com

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