
(Foto Ilustrativa)
Na era da diversidade, o espectro autista já não é mais um grande problema, mas, infelizmente, ainda é um fardo; o sistema simplesmente é feito por e para pessoas típicas, ele esmaga os desviantes
O dia 2 de abril é o Dia Mundial da Conscientização do Autismo. A data foi instituída pela Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) em 2007 com o objetivo de informar à população sobre o autismo; reduzir a discriminação e o preconceito contras as pessoas no espectro autista e ressaltar a necessidade de novos programas de apoio às pessoas com esse transtorno.
Sou pai de uma menina de 7 anos diagnosticada com autismo desde os 2 anos. Na época, pelo CID 10, autismo nível 2, moderado. Desde o diagnóstico de nossa filha, começamos a desconfiar, pela história de vida, da possibilidade da minha esposa também ser uma pessoa com autismo. Não deu outra. Há alguns anos ela recebeu seu diagnóstico: autista nível moderado da mesma forma. Eu, por sua vez, tenho duas terapeutas que aconselharam-me a investigar a possibilidade de estar, da mesma maneira, no espectro.
Nos dois casos de autismo que convivo, filha e esposa, que são intelectualmente capazes, verbais, possuem boa autonomia, às vezes é fácil esquecer o diagnóstico. Da nossa filha nem tanto, pois foi um longuíssimo caminho até ela conquistar os ganhos atuais através de muitas e muitas horas de terapia. Mas da mina esposa, constantemente a cobro em circunstâncias as quais uma pessoa TEA não tem condições de responder.
Pessoas TEA são literais. Se vocês estiverem trabalhando juntos e você quiser dizer sobre uma técnica secreta referindo-se a ela como o “pulo do gato”, a pessoa TEA vai ficar procurando um gato na sala. Pessoas TEA possuem rigidez mental. Mais uma vez, se estiverem trabalhando juntos uma semana e o bebedouro estiver no canto direito da sala, e na semana seguinte o objeto for para o canto esquerdo, muito provavelmente isso desorganizará o autista e ele não renderá mais tanto no trabalho até adaptar-se ao novo ambiente.
Com minha filha a grande dificuldade são as negações. Ela não suporta. O hiperfoco dela é muito forte. De toda criança é, mas o autismo amplifica esse hiperfoco a níveis de tortura psicológica.
Ser pai e marido de pessoas TEA, sendo eu mesmo neurodivergente (bipolar e TDAH), levou-me a uma total reconstrução de minha pessoa. Com muito suporte, fé, psiquiatras, psicólogos, remédios, nossa família vai seguindo sendo funcional com seu jeitinho atípico de ser. Na era da diversidade, isso já não é mais um grande problema, mas, infelizmente, ainda é um fardo. O sistema simplesmente é feito por e para pessoas típicas, ele esmaga os desviantes. E para pessoas neurodivergentes, o autista em grande parte também por suas dificuldades sociais, adaptar-se gera um esforço que adoece, tiraniza, deprime.
A cada ano, no dia 2 de abril, que possamos lembrar dos autistas, neurodivergentes e divergentes e que sejamos mais flexíveis, empáticos, que tenhamos a coragem de procurar enxergar o mundo com os olhos e, principalmente, o coração do outro, para senti-lo como ele sente e, assim, quem sabe, compreender e incluir mais.