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Crônicas de Humor e Entrevistas Poéticas

Isabel Furini

isabelfurini@hotmail.com

Sem Preconceitos

A disputa (o ateu)

Não é essa a questão, Pedro, gritou enfurecido o diabo; a questão é que ele foi ateu, negou sua existência, Senhor, é mais do reino inferior que deste celeste lugar

Colunistas  –  20/04/2025 13:07

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(Foto Ilustrativa)

Pedro pegou uma faca feita de luz violeta e abriu o peito do escritor. Mas ele não sentiu dor. Pedro retirou o coração e o colocou em uma balança. Se o prato da balança desce a alma do morto cai no abismo da culpa e da desolação. Pedro fechou os olhos. 

 

Quando se abriram os portões dourados, nessa manhã de  junho de 2010, a fila era enorme. Acompanhava as curvas das nuvens e se entendia pelo espaço bem perto da zona açoitada por tempestades de meteoritos. São Pedro, o bondoso,  organizava a fila. Algumas almas estavam ansiosas, queriam entrar.

Na recepção, antes do segundo Portal, o chamado Portal definitivo, Deus, sentado em seu trono de ouro adornado com pedras preciosas reluzentes, rodeado de seus anjos de belas asas brancas, ia julgando as almas com infinita sabedoria. Algumas podiam entrar no céu, outras, caiam vítimas de suas más ações.

Quando um homem idoso, calmo, aproximou-se. O próprio guardião dos portões, São Pedro, aproximou-se do Senhor e disse:

- Peço perdão para ele, Senhor, ele foi um escritor brilhante.

O diabo, que estava em silêncio,  no lado esquerdo do portão, encostado às grades, reclamou:

- Ele é meu, Altíssimo. Brilhantes foram muitos militares e arrasaram cidades. Brilhantes foram muitos reis, e massacraram o povo, até alguns papas como Bórgia...
- Esse escritor defendeu os oprimidos!... Merece seu perdão, Senhor. Disse Pedro.
- Ele é meu, há tempos que não recebo alguém com uma mente, digamos, tão criativa, tão suculenta...
- Ele foi um bom homem.
- Não é essa a questão, Pedro, gritou enfurecido o diabo. A questão é que ele foi ateu, negou sua existência, Senhor, é mais do reino inferior que deste celeste lugar - disse arrumando sua capa vermelha.
- O lugar dele é o Céu!
- Não, Pedro, o lugar dele é o inferno.
- O céu!
- O inferno! Ateus vão ao inferno!
-  Não seja preconceituoso, Satã -  disse Deus, e Pedro, ao ouvir a voz de Deus, ajoelhou-se em sinal de humildade.
-  Você sabe, anjo do mal, que eu amo todos meus filhos e não tenho preconceitos contra ateus. Alguns me adoram só com os lábios, por isso eu não julgo os homens segundo suas palavras, eu meço corações. Se julgasse os homens segundo suas palavras o céu estaria cheio de retóricos e de políticos...
- Aproxime-se filho.

O escritor se aproximou lentamente. Estaria sonhando?

Pedro pegou uma faca feita de luz violeta e abriu o peito do escritor. Mas ele não sentiu dor. Pedro retirou o coração e o colocou em uma balança. Se o prato da balança desce a alma do morto cai no abismo da culpa e da desolação. Pedro fechou os olhos. Mas escutou um Ahhh!!!... Era o diabo.

O peso do coração apontava: bondade, compaixão e fraternidade.

E Pedro, triunfante, abriu os Portões para essa nobre alma. O escritor estava entrando no Céu, quando o Satã gritou:

- Antes de entrar, por favor, autografe este exemplar de seu último livro. Quero mostrar aos outros anjos caídos que quase... Quase... Consegui sua alma. 

 

Por Isabel Furini  –  isabelfurini@hotmail.com

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