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A Posse e o Domínio

Somos propriedade particular, mas não pertencemos a ninguém, senão a nós mesmos

O princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos humanos não autorizam, de forma alguma, alguém ser considerado propriedade de outro

Colunistas  –  24/08/2013 19:48

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(Foto Ilustrativa)

Será que ser proprietário de algum bem é um mal necessário? Ou será o apego inevitável?

Num mundo cada vez mais materialista, possuir posse e domínio de alguma coisa, tornou-se uma tendência natural humana. É a força devastadora do capitalismo, a persuasão do consumismo, o ataque provocador do modernismo, a fragilidade do comodismo e, assim, o que nos resta é cair num abismo cheio de "ismo"... 

"É meu!", "é minha!", "isso me pertence!"... Quantas afirmações convictas expressamos sobre determinado objeto sujeito ao nosso uso e aproveitamento... É uma caneta, um relógio, uma bolsa, um carro, uma casa etc. "É meu!", "é minha!", "isso me pertence!"... Será que ser proprietário de algum bem é um mal necessário? Ou será o apego inevitável? 

Tanto se acostumou a ter, que esquecemos de simplesmente ser. Há pessoas, inclusive, que acreditam ser dono de outra pessoa. Mas, como assim? Embora o corpo seja matéria, pode alguém possuí-lo? Adquiri-lo? E pegar pra si como se fosse meramente um pedaço de carne? Pode um indivíduo pertencer a outro, com base em argumento puramente patrimonialista? 

Esta presente "poerídica" propõe falar sobre a posse e o domínio, estendendo o assunto até a consideração da pessoa como propriedade. Desse modo, cabe não somente discutir, mas também sensibilizar a respeito do tema. 

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A propriedade no mundo jurídico 

O direito de propriedade é cláusula pétrea, previsto no "caput" e no inciso XXII do artigo 5º da Constituição Federal. 

Assim, todo e qualquer proprietário deve atribuir uma função social à sua propriedade. Quer dizer que esse seu direito de constituir patrimônio não é meramente um direito subjetivo, muito menos um direito absoluto. "A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II propriedade privada; III função social da propriedade privada" (art. 170, II e III da CF). 

Cumprir a função social, como demanda o texto constitucional, é promover a propriedade particular para o bom convívio coletivo, ou como orienta o parágrafo 1º do artigo 1.228 do Código Civil: 

"O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas."

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Somos ou não somos propriedade? 

Direito de adquirir e constituir patrimônio nós temos. E o direito de sermos considerados patrimônio? Propriedade, seja material ou imaterial, é coisa de determinado valor monetário, histórico, urbanístico, arquitetônico, cultural e sentimental. E será que o ser humano pode ser classificado como bem? Bem de consumo ou bem permanente? 

"Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil", assim inicia o nosso Código Civil. Então, se tratando de pessoa capaz, consciente e independente, pode-se entender - à luz da filosofia jurídica - que o ser humano possui o direito de usar, gozar, dispor e de reaver a si próprio. 

Porém, o princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos humanos não autorizam, de forma alguma, alguém ser considerado propriedade de outro. Ninguém pode ser escravo ou refém do interesse alheio. 

Artisticamente, tudo é possível 

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O cantor e compositor Lulu Santos já definiu na canção "propriedade particular", uma situação em que alguém deseja sentir pertencido a outra pessoa, conforme o trecho da letra: "Queria que tu tivesses ciúmes de mim, queria te ver armar uma cena assim, xingando e quebrando coisas, subindo em mesa de bar, dizendo aqui ninguém tasca, é propriedade particular " 

E agora, a "poerídica" permite a nomeação de propriedade dada à pessoa, porém, com merecidas ressalvas e com todo devido respeito. 

Poerídica: Somos propriedade particular 

Eu sou proprietário de mim.
Sou único e exclusivo titular.
Saiba que ninguém me possui,
só Deus pode me desapropriar. 

Por mais que o amor influencie
na ideia de pertencer a alguém,
sentimento que envolve matéria
não atrai o coração de ninguém. 

Embora eu goste de fazer o bem,
não sou bem de uso comum.
Não poderá usar, gozar e dispor
achando que eu sou qualquer um! 

Eu sou propriedade privada
que cumpre a função moral
dada pelos direitos humanos
e pela propriedade intelectual. 

Não alugue o meu tempo,
pois não sirvo para locação.
Não restrinja os meus sonhos,
pois aqui não cabe intervenção. 

Eu pertenço às minhas ideias
e não ao ideal alheio.
Meu tesouro inestimável
estão nos sentimentos que semeio. 

Trata-se de Direito Público
o que interessa a coletividade.
E trata-se de Direito Privado
a nossa íntima intimidade. 

Contudo, se eu te chamar de "minha"
não é no sentido patrimonial,
é como direito personalíssimo
de quem te ama por igual. 

Então, se eu te chamar de "meu bem",
não faço referência ao bem material,
só quero dizer que você é fundamental
para que eu esteja bem... 

Por fim,
você jamais será minha propriedade,
eu jamais terei o domínio sobre você,
mas, apenas gostaria de ter a posse...
...a "possebilidade"
de estar sempre ao seu lado.

Por Rafael Clodomiro  –  rafael.clodomiro@hotmail.com

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