Publicidade

Premiação 2026

Silêncio Dominical

Desvendando os segredos de um dia vermelho do calendário

O domingo nem é tão tenebroso assim, quando você utiliza a velha fórmula da limonada

Colunistas  –  27/01/2014 12:16

2178

(Foto Ilustrativa/Iguaimix) 

Os assuntos são diferentes, os reencontros também

 

Hoje olhei para o silêncio que aparece de vez em quando para fazer uma visita, sempre aos domingos de manhã, e fingi que nem era comigo. Já li vários textos de pessoas formidáveis que desvendam esse dia vermelho do calendário, através de tantas formas, tamanhos, gostos; muitos poetas, cronistas, escritores em algum dia de suas vidas já dedicaram sua lira a estas 24 horas que parecem intermináveis, parece uma lacuna entre o sábado e a segunda-feira. Com muitos me identifiquei, outros me deixavam mais angustiada ainda. E eu continuava não gostando até que um dia (um dia de domingo, por ironia) passei a ver que nem é tão tenebroso assim, quando você utiliza a velha fórmula da limonada. 

Pra começo de conversa, minha concepção com este dia já teve muito a ver com minha infância solitária. Eu achava que somente o Silvio Santos podia oferecer um domingo no parque. Por muitos anos segui o ritual de ir à missa de manhã, comer macarrão com frango e Coca-Cola no almoço e em seguida sentar em frente à TV para assistir as crianças se divertirem e ganharem presentes por terem participado das brincadeiras. Eu achava que se escrevesse cartas para o programa alguém iria ler e me escolher para ser salva daquela falta de opção dominical tão prematura. E escrevia muitas cartas secretas. Sim, ninguém poderia saber que eu estava pedindo socorro - me tirem daqui. Que eles chegariam um dia e me levariam para brincar e ganhar presentes e eu ainda ia aparecer na televisão. Quando todos soubessem, já estaria em exibição nacional, vencendo as provas e voltando pra casa cheia de prêmios. Seriam tantos deles que eu até já tinha feito planos: em cada domingo eu brincaria com um deles, assim esqueceria deste dia tão calado no calendário. 

Aprendi a gostar deste ex dia modorrento... 

Eu achava estranho as visitas de domingo. Parentes que vinham com a família inteira para almoçar, conversas, gargalhadas, barulhos até me animavam, mas no fim da tarde eles iam embora e deixavam um rastro de abismo tão grande de ausência, que eu desabava a chorar, em pensamento eu pedia que eles voltassem para continuar a reunião e manter a casa cheia. Mas a vida prometia continuar. E maktub. Aprendi a gostar deste ex dia modorrento, quando passei a perceber que a feição das pessoas muda aos domingos. Você já percebeu? Experimenta. 

Desde que me livrei da claustrofobia deste dia, passei a observar os rostos descansados das pessoas que se comprometem com a responsabilidade da labuta dos outros dias. Observo também rostos que amanhecem da noitada de sábado e estão muito empenhados em aproveitar o escasso barulho para adormecer nos braços de domingo. O burburinho da feira, legumes, frutas, verduras, feirantes, todos eles têm um brilho especial de oferta aos domingos de manhã. Os assuntos são diferentes, os reencontros também. Observei que até o sofá anda vazio e a televisão desligada. Tudo isso e muito mais que acontece é porque lentamente a vida dá uma pausa e nossa velocidade diminui. Em marcha lenta observamos com mais amplitude de coração os encontros que temos com nossa própria capacidade de aceitação. Por isso que hoje aproveitamos as lembranças do que fomos, elas fazem parte do que sempre seremos. Por isso que hoje nem dei bola pro silêncio matinal quando ele chegou. Convidei-o para um belo passeio no parque.

Por Elisa Carvalho  –  elisacarvalho.br@gmail.com

Seja o primeiro a comentar

×

×

×