(Foto: Reprodução/Internet)

Que encontremos forças para amparar

mais crianças que São Bernardos

 

Demorei a escrever sobre este delicado assunto. Ainda me assombram as coincidências e sinto a poética dolorida. Mas vamos lá: 

Bernardo poderia brincar comigo no mesmo jardim da infância que atravessamos. Eu poderia segurar sua mão, entender seus medos, desesperar e gritar de dor junto com ele bem na hora que a alma sangrasse o desespero do abandono. Lá atrás, sei que não tentaram me matar, mas as humilhações e os massacres psicológicos foram os mesmos que aos poucos aniquilaram os encantamentos afetivos a que toda criança tem direito. Nunca me identifiquei tanto com os "castigos" que a indiferença familiar lhe imputou. Bernardo e eu fizemos a primeira comunhão juntos e sozinhos, embora ele estivesse na companhia de amigos, eu não. 

Talvez o tenha encontrado quando tantas vezes fiquei trancada do lado de fora de casa, esperando a hora que a porta se abrisse para que eu me sentisse pertencida a um esboço que o mundo externo chamava de lar. 

Bernardo e eu não nos comportávamos bem quando éramos maltratados. 

Um amigo me disse que, se ele estivesse vivo, na maturidade iria ficar "sequelado", que teria que fazer terapia por muito tempo. Que fizesse. Mas estaria aqui para contar sua história no futuro. Eu desejaria que muitas decepções fossem superadas, como as minhas foram, à base de muitas outras tantas compensações cataplasmas que de uma forma suave a vida tratou de me devolver através do responsável entendimento das linhas tortas do destino. 

Infelizmente aqueles monstros covardes chegaram primeiro e aconteceu o que todos já sabem. Outros deles estão soltos por aí. 

Que o nosso luto encontre forças para cobrar mais atenção de nossas autoridades. Que a sensibilidade não seja vítima de nossa própria capacidade letal de cair no abismo do esquecimento. 

Que todos escutem mais nossos divinos seres pueris, eles não mentem. Que encontremos forças para amparar mais crianças que São Bernardos.