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Premiação 2026

Receitas, Formas e Eternidades

Clécio Penedo é homenageado pelo Coletivo Teatral Sala Preta

Talvez ele não tivesse pretensão nenhuma de se fazer eterno; apenas, como muitos de nós, expressava sua arte e a deixava livre respirando no mesmo oxigênio que pertence a todos

Colunistas  –  06/10/2014 11:05

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(Foto: Divulgação) 

Clécio: "Poesia e traço são lacunas de formas

únicas que só o nosso olhar pode decifrar, pois

somos nós é que criamos o espaço, o público é

que se encarrega de fazer a complementação"

 

> Leia também: Às vésperas do espetáculo, exposição traz um pouco da vida e obra de Clécio Penedo

Outro dia na casa de um amigo, elogiei um prato após o jantar, ouvi da mãe dele que aquela receita era de sua avó e que só fica boa porque ela não aumenta nenhuma medida ou retira algum ingrediente. Uma fidelidade ao sabor do tempo e da lembrança que entra para a história. 

E é nesta galeria de memórias que vejo notáveis pessoas cumprirem muito bem o seu papel diante da tarefa do permanecer, fluindo suavemente no espaço percorrido a que se propõe. 

Outras nem tanto, quer dizer, continuam entre nós, mas obsessivamente de mãos dadas junto com seu trabalho não o deixando caminhar sozinho. Há alguns anos, fui a um encontro de poesia onde o assunto tratado foi mais para o lado do temperamento difícil da autora do que sua própria obra deixada. Falo de Orides Fontela, cujos ótimos poemas emblemáticos vivem dentro de um universo que somente ela conheceu na intimidade da solidão causada por sua difícil interpretação da realidade. Em 2007, alguns anos após seu falecimento, foi lhe concedido um prêmio pelo Ministério da Cultura. 

Atualmente o excelente trabalho do saudoso Clécio Penedo está sendo homenageado pelo Coletivo Teatral Sala Preta. Um grupo de jovens talentosos atores que envolvem toda uma cidade para a perpetuação da memória do artista. 

Compreendo este trabalho como mais uma linha na página do livro que não se pode esquecer. Espero que a geração vindoura ainda se interesse em saber dos ausentes que contribuíram de alguma forma, para que ela desenvolva a sensibilidade do olhar de mundo. 

Tive uma única oportunidade de conversar com Clécio. Foi um papo proveitoso e discorrendo sobre as artes plásticas e a poesia pude ouvir dele: "Elisa, poesia e traço são lacunas de formas únicas que só o nosso olhar pode decifrar, pois somos nós é que criamos o espaço, o público é que se encarrega de fazer a complementação". 

Esta frase mora em meu pensamento até hoje e vai seguir comigo até o fim. 

Talvez ele não tivesse pretensão nenhuma de se fazer eterno. Apenas, como muitos de nós, expressava sua arte e a deixava livre respirando no mesmo oxigênio que pertence a todos. 

No romance de Lewis Carroll, Alice pergunta ao coelho:
- Quanto tempo dura o eterno?
- Às vezes apenas um segundo. - ele responde. 

Dentro da metáfora do impossível, pensamos em multiplicar este um segundo por muitos outros segundos que nascem enquanto criamos. Seja numa receita de família que atravessa gerações, seja numa trajetória que mesmo breve será inquilina em nossos arquétipos artísticos.

Nossa mente inquieta e geradora parece que não sabe (ou se sabe prefere não proclamar) que neste intervalo de tempo chamado "vida aqui na Terra", somos audaciosos fazedores de eternidades para afugentar o inevitável medo da decretada impermanência. 

E desafiando esta lei é que vamos nascer juntos nos dias 11 e 18 de outubro, em Barra Mansa. 

Evoé! 

> Onde e quando visitar a exposição "Estação memória"; veja o roteiro de exposições na região.

Por Elisa Carvalho  –  elisacarvalho.br@gmail.com

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