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Não Me Considero Analfabeta Digital

WhatsApp: eu não tenho, mas ainda terei

Já vi reações de espanto por parte de meus conhecidos quando digo que não tenho Zap Zap

Colunistas  –  24/10/2014 14:26

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No álbum da extensa enciclopédia da existência do povo brasileiro, já não existe mais a figura do "eleitor-de-favor". Estamos mais atentos ao que vamos vender para os candidatos. O favor em troca de dentaduras, tijolos e necessidades básicas já era. Muitos eleitores não se preocupam mais com a saúde bucal mas sim a oral. Falando num celular de última geração, enviando WhatsApp e refestelando-se dos recursos oferecidos pelos aparelhinhos, quem vai se preocupar em viver frente a frente com o real? Assustadoramente quase ninguém. 

Escutei outro dia, na mesa ao lado da minha no restaurante, dois homens conversando e um deles dizia saber da compra de muitos tablets pra distribuir pra população carente. 

- É voto ganho - concluiu um deles. 

Não olhei pro lado para saber quem era. Deu medo de expor meu olhar e ser reconhecida mais tarde e até, quem sabe, ser vitima de uma queima de arquivo por ter testemunhado uma simples conversa alheia que não era comigo, mas que indiretamente, bem lá no fundo, era sim. Sem dramas à parte, lógico. 

A justificativa é simples: Já vi reações de espanto por parte de meus conhecidos quando digo que não tenho Zap Zap. Já ouvi uma sentença: Que pena! Você ta perdendo por não ter. - Coce o bolso e compre um celular melhor pra você. - Sei que foi em tom de brincadeira, mas só que não. 

Não dei ouvido. Levei na esportiva e disse que estava providenciando, para alívio dos que esperavam uma resposta mais chata do que a pergunta. 

Ontem encontrei com uma amiga, uma doce senhora de meia idade, calejada pela vida e que aprendeu a se defender de suas desprevenidas carências sociais fazendo faxinas ótimas. Já utilizei de seus serviços e, ao perguntar se ela podia me atender no próximo domingo, ela respondeu que não sabia e que ia me passar um Zap Zap. Quando respondi mais uma vez que não tinha, mas que ela podia me ligar, prontamente me respondeu: Tá, mas vou te ligar a cobrar porque tô sem crédito. Desvantagens financeiras por não acompanhar a moda, é isso que dá. 

Andando na rua, encontro rapidamente uma querida pessoa que adoro: 

- Elisa, quanto tempo! - me disse ela com um sorriso.
- Precisamos nos encontrar pra bater papo.
- Claro. Vamos sim. 

Por coincidência, alguns dias depois nos reencontramos num bar e a alegria foi a mesma. Ela sentou-se a meu lado e depois de algumas frases trocadas passei a maior parte do tempo em silêncio, olhando os vídeos do WhatsApp que ela me mostrou. 

É assim. 

Penso na "população carente" que aqueles dois senhores se referiam. Acho que me enquadro diferente nesta estatística. Mas não quero ganhar um tablet. Quero continuar ganhando o direito de poder olhar diretamente nos olhos das pessoas e poder dizer que não me rendo a voto de cabresto e que ainda não tenho paciência de fazer de tudo por uma atenção cibernética. Ainda não. Ainda voto no status das relações espontâneas de sorrisos trocados e não me considero analfabeta digital por isso. 

Tenho priorizado certas regalias comunicativas. Aliás, tento competir com os cliques e likes. Por pouco não saio perdendo.

Por Elisa Carvalho  –  elisacarvalho.br@gmail.com

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