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Outra Dimensão da Realidade

O verdadeiro retrato do país com o mesmo nome

Uma pequena mostra da sociedade brasileira, numa viagem que começa na Estação General Osório e termina na Central do Brasil

Colunistas  –  02/11/2012 21:39

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(Foto Ilustrativa)

Um país chamado Brasil é isso aí;

é a vida como ela é; sem maquiagem;

e fora da tela da Globo

“Todo dia ela faz tudo sempre igual”. Assim como na genial canção do espetacular Chico Buarque, diariamente, por volta das 9h, é como se eu entrasse num vagão de metrô que me transporta para outra dimensão da realidade. Uma pequena mostra da sociedade brasileira, numa viagem que começa na Estação General Osório e termina na Central do Brasil, o verdadeiro retrato do país com o mesmo nome.

A primeira impressão, ao se sair do trem, é a de que você desembarcou numa parada um pouco mais feia, onde as pessoas não andam, elas correm para não perder a viagem da vida. Ou o trem da viagem. Sei lá. O clima é sempre um pouco tenso. E denso. Como se, a qualquer momento, ou a cada novo vagão que chega, fosse brotar uma briga ou confusão.

Aí, continuamos pela mesma estação que possui várias saídas, como um polvo cheio de braços e pés. O povo.

Um grande mercadão

E podemos seguir por uma direção que nos leva direto à enorme Gare Central, um arranha-céu em estilo art déco, que, por dentro, por incrível que pareça, possui uma nobre e bela construção, repleta de lanchonetes, botecos e de um frenético comércio de bijuterias e sapatos e roupas e sandálias e de mercadinhos e farmácias e charutarias que só o enfeiam e fazem-no parecer um grande mercadão.

O lugar seria até bonito, como a glamurosa Grand Central Station de Nova York, se não estivesse na Central do Brasil. Um estudo antropológico. E, infelizmente, também pelos maltrapilhos que por ali passam, como que num clipe dos zumbis do Michael Jackson, a pedir comida, a pedir R$ 2, a pedir a guimba de cigarro, a pedir sua atenção, a pedir. O que eles querem mesmo é espantar. E intimidar. E conseguem.

Mas, vamos que vamos, continuando no trajeto até chegarmos ao meu novo endereço de trabalho.

Ossos do ofício

A minha saída do buraco do metrô, como um tatu, animal tão em moda atualmente, é no Ministério da Guerra. Nome mais propício não poderia existir. A enorme construção também é conhecida pelos íntimos, como eu me tornei agora, ossos do ofício, como Palácio do Xixi. Parece mesmo um grande mictório a céu aberto. “É mijo pra todo lado”! Desculpem-me o termo. Mas aquilo não é urina nem aqui nem na China.

Um cheiro que embrulha o estômago e dá nó nas tripas. Isso sem falar dos outros odores. E humanos.

Nesse caminho perfumado, assim como um “barbantinho cheiroso”, tenho direito também a contemplar cenas que mais parecem saídas do Inferno de Dante. Todavia, sem o próprio. Porque ele já fugiu faz tempo. 

Uma paisagem do paraíso

As calçadas da minha rua, ou melhor, do meu nobre endereço do jornal, imundas, servem de moradia para as famílias de travestis; prostitutas; viciados em crack, que residem ali com cachorro; criança; móveis; drogas; roupas; compras de supermercado e tudo ao que têm direito como cidadão brasileiro. Uma paisagem do paraíso.

Na localidade atrás do periódico, há um comércio de balas e bebidas. Atacado e varejo. Tudo bem misturado a um cheiro de papelão. Um verdadeiro papelão mesmo! Num calor de 43 graus, o odor sobe e adentra as narinas, sem deixá-las nunca mais.

Vodka por R$ 11

Nesse comércio paralelo, já encontrei até vodka por R$ 11. E amarula por R$ 31. Provavelmente, é essa a Vodka que devemos consumir nas festinhas da Zona-Sul e que é vendida dentro de uma linda e fashion garrafa de Absolut a R$ 15 a dose. No mínimo. Mais caro do que o valor da garrafa todinha da Central.

Imaginem o que não é almoçar por essa zona tão aprazível. Estou a dois passos do Sentaí. Nossa! Preferia estar sentada em qualquer birosca de Ipanema.

Bolinhos de bacalhau

Devo admitir que já até comi dentro da Central. E não foi no Mc de lá não. O Ronald não poderia ficar fora dessa. Experimentei os bolinhos de bacalhau de um dos inúmeros botecos de lá da estação ferroviária. Uma bola de bilhar. De peixe, né. A R$ 2 cada. E cá estou, vivinha da Silva, e escrevendo essas aventuras.

Como não. Já ia me esquecendo de um detalhe sórdido. No andar de baixo do prédio da Central, uma espécie de subsolo que nem Deus sabe que existe, que dirá o resto da humanidade, há diversos serviços gratuitos para a população carente para se tirar vale-transporte e documentos. Ali, sim, um tipo de bunker, com um cheiro que deveria ser engarrafado para ser usado como arma química.

Cheiro de fim de mundo

Ali poderia ser outra dimensão realmente. Porque até o inferno deve ser bonitinho se comparado àquilo. Você vê a lanchonete que vende joelhos inchados ao lado do mega banheiro público e do brechó à la Exército da Salvação, tudo isso numa passagem mofada. Quando bate o vento, traz um cheiro de fim de mundo.

Um país chamado Brasil é isso aí. É a vida como ela é. Sem maquiagem. E fora da tela da Globo. É Central do Brasil e não a maravilhosa “Avenida Brasil”, novela que mudou a linguagem dos folhetins, ao mostrar, de forma divertida e inteligente, porém, caricata, os contrastes socioeconômicos desse lugar do lado debaixo do Equador e um país de dimensões continentais com uma desigualdade idem.

Que país é esse?

Por Thereza Monteleone  –  thereza.monteleone@facebook.com

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