Publicidade

Premiação 2026

Reflexão

A arte de ser péssima companhia

O tempo nos cobra sua vivência e se for para tê-lo que seja sem comprometimento com o maldizer

Colunistas  –  07/08/2016 10:44

5213

(Foto Ilustrativa)

Convide-se para um bom papo e observe

que assuntos vocês têm em comum

 

          Publicada: 19/07/2016 (21:55:11)
          Atualizada: 07/08/2016 (10:44:49)

À medida que vamos ganhando tempo e ele vai nos entranhando as vísceras, sulcando a pele cada dia menos resistente às estações, percebemos que não temos muita disposição e vocabulário para atitudes e comportamentos repetidos. Ansiamos pelo novo, pois sabemos que estamos indo embora. Muitos têm a independência decretada e sabem lidar com suas próprias escolhas. Pensei que fosse ser libertador esta fase bem lá no começo de vida. Mas ela sempre vem na hora certa e não é preciso esforço para antecipar as etapas, basta vivê-la em cada gota de areia na ampulheta do destino.

E eis que um dia ela aparece quando estamos dispostos a saber quem somos de verdade. Ficamos mais seletivos por opção e tomamos uma espécie de medida preventiva contra as mesquinharias emocionais que moram na zona de conforto em que nos instalamos. Assumo que para presenciar alguns momentos vazios de humanidade tornei-me péssima companhia.

Já saí no meio de uma reunião informal que o tema coletivo era um só: o julgamento da vida do outro. Tribunal completo. Já abandonei lugares que se celebrava a ausência daquele que, em presença, era o mais admirado verbalmente.

Já vomitei (juro que resisti à ânsia o máximo que pude), no banheiro de um lugar que estava sendo comemorado o aniversário de uma simpática pessoa, por ter escutado na mesa em que estava detalhes sórdidos (narrados com faíscas venenosas por um convidado) da vida íntima e extraconjugal (olha o perigo letal do boato) da própria aniversariante. E tenho certeza de que ninguém ali necessitava saber de nada daquilo.

Dei um basta. Se quero entretenimento que seja saudável e leve. Temos coragem para assumir a libertação das amarras vulgares das condições humanas? Então simbora! 

_______________________________________________________

Sei onde encontro amigos para longas e deliciosas conversas. Dentro de cada assunto a diversidade é exemplar. De leves fofocas* ao último lançamento da Netflix por exemplo. É bem mais desopilante, é uma festa sem hora pra acabar porque a variedade é grande.

_______________________________________________________

Uma amiga veio me confidenciar que não suporta mais encontros sociais cujos assuntos são fracos e tenebrosos, os mesmos enredos (apimentados de imaginação) da vida alheia, mas que não consegue se desligar, pois tem pavor de ficar em casa nos fins de semana. Me pediu opinião e eu dei: indiquei um livro, um filme na internet, uma viagem, um fim de semana com alguém que não vê há muito tempo, uma atividade social, uma missa, um culto, um terreiro, um museu, um cinema, uma praça, uma caminhada em meio aos sons da natureza, uma música alta com uns passos de dança na sala, uma saída com o celular para aproveitar a câmera digital e fotografar à vontade, livro de colorir, uma temporada completa de boas séries, canais divertidos no YouTube, pintar e bordar roupas, objetos, fazer um bolo...

Te juro que ela fez tudo isso postando no Facebook, mas fez. Já é o começo do cair em si.

Sou capaz de passar um momento inteiro escutando alguém me contar de sua própria vida. Sei ouvir. Sei dar atenção sem competir. Vibro, sorrio, choro com cada episódio escutado. Meu vício em filmes de ficção sabe que nem toda obra é mera coincidência. Eles estão bem à nossa frente, a carência vizinha suplica por uma plateia que ofereça atenção nunca concedida. O tempo nos cobra sua vivência e se for para tê-lo que seja sem comprometimento com o maldizer. Se for para contar, que sejam novelas de nossa própria existência que, tenho certeza, é bem mais interessante do que a do outro (compreensível egoísmo). O dilema é criar e ter algo de interessante para construir, enquanto isso não acontece convide-se para um bom papo e observe que assuntos vocês têm em comum.

Por Elisa Carvalho  –  elisacarvalho.br@gmail.com

Seja o primeiro a comentar

×

×

×