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Eles Existem, Sim Senhor

Nós - Os invisíveis

Os atores, de um jeito ou de outro, com ou sem visibilidade, nunca deixarão de fazer aquilo que nasceram para ser

Colunistas  –  02/10/2018 13:01

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(Foto Ilustrativa)

Atores podem até ser invisíveis, mas vivem a verdade de cada um com o coração; a arte os enlaçou, embora o mundo, na maioria das vezes, não os tenha abraçado

 

A arte de representar nos proporciona interagir em mundos diversos, colocar pessoas diferentes dentro da gente, viver em uma só vida várias vidas, mergulhar de cabeça em diversos universos. É um vício, muitas das vezes capaz de substituir outros vícios. É como um bichinho que, quando nos morde uma vez, nos contamina, nos adoece, provoca várias transformações. Instalada essa eterna doença, nossa vida nunca mais será a mesma. Tente abandoná-la e, mais dia menos dia, ela cruza seu caminho novamente, e, como grandes amores, basta uma única olhada para uma recaída. Talvez a recaída seja pela saudade das possibilidades infinitas que um ator vive, ou, pelo prazer que se sente vivendo e provocando as mais diversas emoções em quem o assiste, seja no palco ou na tela, ou ainda pela oportunidade de expandir a cabeça do espectador.

Para mim, particularmente, ser ator é uma outra forma de ser gente. O ator está sempre em busca de personagens que o desafie a novos limites e, por isso, acaba fazendo de cada novo personagem um desafio ainda maior. Dar vida a um personagem não é simplesmente entrar em cena e interpretar sua fala, mas descobrir suas particularidades, o seu jeito de andar, de falar, sua personalidade, trejeitos... Enfim, o ator deve dar várias camadas ao seu personagem, de forma que o público o enxergue e não veja nele o mesmo personagem do seu trabalho anterior. O ator empresta sua alma para o personagem, para servir de base; depois disso, o personagem segue em frente e ganha alma própria.

Acredito que o verdadeiro ator é mordido por esse bichinho ainda no nascimento. É uma pena que nem todos consigam ter visibilidade, ainda que façam trabalhos lindos. Eu faço parte desse universo dos atores invisíveis, mas, por outro lado, embora como tantos eu tente, como tantos também não sei ser outra coisa. Acho que o bichinho me mordeu mesmo, ainda no útero de minha mãe; e de lá pra cá, dei voltas, correndo atrás de uma visibilidade que não consegui, mas que, de um jeito ou de outro, com ou sem visibilidade, nunca deixei de fazer aquilo que nasci para ser e que, de certa forma, fui e sou. E nessa corrida louca, o tempo passou, mas não me arrependi. Foi nessa trajetória que conheci outros como eu, e juntos percebemos que é para isso, e por isso, que vivemos.

Eu não escolhi essa arte, esse ofício. Foi ela quem me escolheu. Somos invisíveis, mas vivemos nossa verdade com o coração; a arte nos enlaçou, embora o mundo não nos tenha abraçado. Mas temos em nós a certeza absoluta de que nascemos com uma conexão de alma com a arte de atuar e isso funciona como se ela, a arte, tivesse retribuído nosso abraço. Essa certeza nos basta para esquecermos as pessoas que nos desencorajam e continuar na caminhada; ainda que esta seja longa, sabemos que não dá para voltar atrás, porque também não queremos. Voltar atrás significaria viver pela metade, e, nós atores, somos inteiros. Viver pela metade é uma coisa que nunca iremos aprender. É por isso que, entre tantos desencantos, nos desprendemos de nós mesmos, nos deixamos encantar pelos nossos personagens para que possamos encantar a plateia em troca dos aplausos que são os abraços que tocam nossas almas e fazem com que, mesmo embaixo de neblinas e tempestades, continuemos na estrada.

Para mim, viver um personagem funciona como uma troca: eu dou vida a ele no palco, mas fora dele é ele quem dá vida a mim, e, nesse momento, eu não me sinto invisível. Eu existo. E sou atriz, sim senhor.

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Por Rita Procópio  –  ritafprocopio@hotmail.com

1 Comentário

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  • Cláudio

    Muito bom! Você é muito boa!