Não se alcança a plenitude da nossa profunda existencialidade em uma vida em que a única atitude é negar nossa imortalidade

acordei desgostoso
sem qualquer vontade de viver.
talvez tenha sido aquele sonho confuso
ou aquela velha mania de morrer.

“morrer?”
sim, morrer!

não morrer qualquer morte,
mas aquela que antecede o renascer,
aquela que só atinge pessoas de sorte,
dedicadas a se autoconhecer.

“como assim?”
desse jeito sim!

viver é morrer cotidianamente
dia após dia, ir deixando de existir,
desapegando-se, valentemente,
desse corpo a nos vestir.

“eis o sentido da vida?”
sim, viver para a partida.

não se alcança a plenitude
da nossa profunda existencialidade
em uma vida em que a única atitude
é negar nossa imortalidade.

“por isso, esse desgosto?”
é que não ando muito disposto.

toda vez que penso na vida,
nessa sucessão de enfrentamentos,
impossível não pensar na tal partida
e turvar meus pensamentos.

“você é um suicida?”
depende do que é a vida.

não penso em me matar,
entregar-me ao aniquilamento.
penso apenas em cultivar
novos pensamentos.

“que bom, você me aliviou!”
nossa conversa que me renovou.

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