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Reflexão

E depois da Covid-19 passar?

Assim como tudo mudou após a peste negra, o mundo de agora como o conhecemos não será o mesmo, e muito do que ele venha a ser ou não dependerá bastante do que desejamos construir ou reconstruir

Colunistas  –  29/03/2020 23:52

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(Foto Ilustrativa)

Num geral, não acreditamos que o coronavírus seja um castigo divino

 

Dou início a esta troca de ideias, advertindo que não tenho a pretensão de responder à questão formulada e colocada como o título deste artigo. Também não se trata de um exercício de futurologia. O objetivo é o de expor e desenvolver uma reflexão e, por consequência, estabelecer um diálogo referente ao que poderá vir, pós o acontecimento da pandemia de coronavírus, realizando o que se pode denominar enquanto um diagnóstico do nosso momento presente. Faço uma analogia para destacar alguns pontos a serem discutidos, utilizando-me de uma pandemia conhecida pelos seus efeitos devastadores, que no momento presente da história humana configurou-se como um sinal do fim do mundo. Refiro-me à peste negra que afetou a Europa no século XIV, matando mais de um terço da população europeia da época, o que representou 25 milhões de mortes no solo europeu, junto a outros 40 a 60 milhões na Ásia e também na África. Peste negra que foi, inclusive, interpretada na época como um castigo divino para punir os pecados da humanidade.

Como qualquer pandemia, a peste influenciou e trouxe mudanças no desenvolvimento social, político e econômico da humanidade. De modo análogo à peste negra, a Covid-19 indubitavelmente também provocará e influenciará mudanças em diversos campos da atividade humana como o da política, da tecnociência, da saúde, da cultura e das relações cotidianas como experimentamos e que nos faz ser o que somos e como agimos hoje. A qual caminho nos levará essas mudanças? Difícil imaginar! E talvez aqui tenhamos o fator da imprevisibilidade e da possibilidade relacionados, pois não podemos prever exatamente o que será ou não possível, sobre o que venha a ocorrer. Podemos nos questionar se haverá uma mudança, principalmente por parte das novas gerações, depois da experiência traumática em muitos locais que apresentam uma mortalidade brutal, causada pela Covid-19, como na Itália, na China e em outros países, com referência à experiência humana com a morte? Questão que angustiou e ainda angustia a nossa existência.

E quanto ao mercado econômico globalizado? Uma crise econômica mundial sem precedentes se apresenta como uma grande possibilidade. Qual será a amplitude de seus efeitos? Surge a previsibilidade que aponta para um caminho negativo. Um quadro pós Covid-19 bastante desolador! Que nos leva mais ao medo e ao pessimismo do que à sensação de maior segurança e perspectiva de otimismo. E as relações entre os governos? Podemos esperar maior colaboração entre estruturas políticas e ideológicas que sempre se demonstraram antagônicas ou teremos um acirramento radical entre os Estados, inclusive apontando-se culpados pela pandemia do coronavírus? O antagonismo prevalecerá e se intensificará ou após esta pandemia da Covid-19 haverá a conscientização e responsabilização visando a maior colaboração e talvez solidariedade, dirimindo os conflitos? Em outros termos: Haverá condições de se estabelecerem relações menos tensas e agressivas, promovendo um maior sentimento de paz e entendimento?

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E a questão migratória? Que ainda se constitui enquanto uma tragédia humanitária contemporânea! As fronteiras poderão se abrir mais para receber os sem direitos ou se transformarão em verdadeiras muralhas, para impedir a entrada de estranhos que inclusive possam trazer não só problemas econômicos, mas também de saúde pública, segundo a avaliação dos governos, implantando leis anti-migratórias mais rigorosas e radicais?

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E com referência aos movimentos de grupos extremistas, xenofóbicos e intolerantes, que ganharam uma intensidade considerável, destilando ódio e discriminação contra o outro, o estrangeiro, aquele que possui crenças e culturas diferentes. Discriminação e intolerância contra etnias que são consideradas nocivas para a saúde do corpo social de um determinado Estado. Serão mais silenciados e se enfraquecerão, devido a experiência com a Covid-19, que demanda e talvez venha a demandar intensamente mais solidariedade, respeito e hospitalidade para com o diferente ou ao contrário, os ódios e as intolerâncias recrudescerão, exatamente pelo medo do inimigo externo ou raiva contra o estranho, acusado de invadir o terreno alheio, exaltando-se nacionalismos extremados?

E a questão ambiental? Continuaremos a exploração predatória e um tanto irresponsável do planeta e de seus recursos, causando efeitos deletérios para a sobrevivência em geral? Persistirão as posturas negacionistas deste problema ou passaremos a considerar o planeta como um ecossistema vivo e que toda a nossa ação desmedida pode afetar as populações de seres vivos que o habitam, incluindo é claro a nossa? Destacando que neste contexto, tendemos a pensar em vegetais e animais, mas nos esquecemos também dos micro-organismos que fazem parte deste ecossistema tão completo, ressaltando que os vírus até hoje não são classificados em nenhum grupo de seres vivos, sendo menores do que a bactéria por exemplo que disseminou a peste negra, mas demonstrando uma enorme capacidade de letalidade para nós, como no caso da Covid-19. 

Como destaquei logo no início deste texto, não trago respostas, pois a intenção foi a de traçar o exercício de uma reflexão, assim como estabelecer uma troca de ideias. A analogia com a peste negra tem seus limites, pois são épocas bastante diferentes. Num geral, não acreditamos que o coronavírus seja um castigo divino e mesmo com todas as dificuldades e desigualdades sociais e econômicas entre os países e continentes, possuímos recursos e conhecimentos tecnocientíficos impensáveis na época da “morte negra”, mesmo levando-se em conta a mortalidade elevada que o coronavirus vem causando e ainda causará. Contudo, penso que um ponto é indiscutível: Assim como tudo mudou após a peste negra, o mundo de agora como o conhecemos não será o mesmo, e muito do que ele venha a ser ou não, quando a Covid-19 passar, dependerá bastante do que desejamos construir ou reconstruir. Talvez necessitemos pensar o todo e interiorizar isso como um jeito de estar no mundo, deixando mais de lado os isolamentos do personalismo e do individualismo. 

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Por Rogério Luís da Rocha Seixas  –  rogeriosrjb@gmail.com

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