Publicidade

RH

Personagem Folclórico

Xisto: Marujeiro, gago e anjo

Inocente, era de baixa estatura, meio calvo, com sérios problemas de dicção, mas gostava de pregar peças

Colunistas  –  20/04/2020 11:56

 
computer-2893954_1280

(Foto Ilustrativa)

_______________________________________________________

Há uns sete anos Xisto virou saudade

_______________________________________________________

A minha cidade, como toda cidadezinha provinciana, é pródiga em personagens folclóricos que marcam várias gerações. Seja pela pureza quase angelical ou pela excentricidade; ou seja por serem tão pitorescos. Por aqui já tivemos uma série: Governo (negro enorme, com sofrimento mental e que usava dezenas de gravatas ao mesmo tempo), Cocota, Chiquito Lambreta, Zé Pirapama, Inês do Saco, Sá Barba (na verdade, Bárbara), Sinhana, Toca, Bacurau (que se acredita tenha vivido por mais de um século), Azulão, Xuxa (os últimos, vítimas de assassinatos), Patuá (assassinado com extrema crueldade) e Xisto - objeto de minha crônica de hoje.

Xisto era de baixa estatura, meio calvo, com sérios problemas de dicção. Tartamudeava tanto que levava minutos para articular frases simples, mas se fazia entender, com um gestual próprio que ele criou - o Libras Xistenses - como quando queria “desejar” a morte de alguém que lhe irritasse, dizia:

- Diiiiiiiiiiiiiirceeeeeeeeeeeuuuuuuuuu! - cruzando os braços sobre o peito, à moda de um corpo no caixão. E dava gargalhadas apontando para o alvo de sua zanga (Dirceu era dono de funerária).

Vivia de pequenos trabalhos como transportar lavagem dos restaurantes para criatórios de porcos (antes da proibição da Anvisa), alimentar os suínos e catar latinhas. Como gozava da amizade e do carinho da população, era alimentado pelos donos de bares e restaurantes e não havia ninguém que deixasse de lhe pagar um café, um salgado ou mesmo uma pinga. E gostava de uma cachaça, o malandrinho. Andava pelas ruas de madrugada cantando canções ininteligíveis. Nunca se soube de ter feito mal a ninguém e nem de ter sido alvo de maldades. E, dado a extrema popularidade, ai de quem tentasse lhe fazer qualquer maldade, teria uma boa parcela da população contra si.

Mas, apesar de sua inocência e natural bondade, gostava de pregar peças, como da vez em que descobriu no cemitério uma imensa aboboreira com lindas abóboras. Colheu os frutos e os doou para algumas pessoas e divertia-se contando de como fez fulano ou beltrano comer abóboras de cemitério.  De outra feita, durante o Jubileu do Senhor Bom Jesus de Matozinhos - festa bicentenária que acontece entre os dias 13 e 24 de junho, em que a cidade recebe dezenas de milhares de romeiros de todo o país e até do exterior e que tem uma feira com produtos variados -, catava suas latinhas e as vendia a um comerciante local. Nas muitas idas e vindas, descobriu um buraco na cerca que dava acesso ao depósito do material. Daí que, vendia-lhe um saco de latinhas, passadas algumas horas, voltava e entrando pelo buraco da cerca, surrupiava aquela saca de latas e as vendia novamente ao mesmo comprador. Esta malandragem durou alguns dias, até que o comerciante desconfiado, pegou-o com a boca na botija e as mãos nas latinhas. Passou-lhe uma carraspana, consertou a cerca e continuou a comprar-lhe o material reciclado. E o caso não rendeu nada além de mais uma anedota com o protagonismo do Xisto. Há uns sete anos o nosso Xisto virou saudade. Foi atropelado e além de tornar-se eterno em nossa saudade e corações, virou nome de bloco, o “Bloco do Xisto” que estreou nas festas de Momo há alguns anos.

Sua benção, Xisto. 

________________________________________________________

Por Francisco Ferreira  –  francisco.ferreira2606@hotmail.com

Seja o primeiro a comentar

×

×

×