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Reflexão e Debate

Pandemia, sociabilidade e o olhar para o outro

Talvez o pós-pandemia nos leve a conviver em maior solidariedade, respeito, igualdade, cooperação, paz e fraternidade

Colunistas  –  10/05/2020 18:44

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(Foto Ilustrativa)

“Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”

(John Donne) 

 

Dou início a esta nova troca de ideias destacando mais uma vez a experiência que estamos passando: a pandemia da Covid-19 que, indubitavelmente, fomenta e fomentará questões várias para o hoje e principalmente com referência ao que poderá ser o nosso amanhã. O tema que desejo tratar para nossa reflexão e debate aparece como bastante concreto: O sentido de sociabilidade tornou-se latente no momento em que percebemos a necessidade de sairmos de nossa esfera individualista, passando a nos preocupar mais com a pertença com outros. Deixamos de olhar só para o nosso eu e nos demos conta de que existem os outros e, queiramos ou não, constituímos relações de sociabilidade. Nas medidas de isolamento social, o agir de uns tem consequências para a saúde de outros. Mesmo nas posições antagônicas dos que são a favor das medidas ou contra, percebeu-se, e de certo modo resgatou-se, um sentido de sociedade que se encontrava ocultado pelos problemas individualizantes de nosso quotidiano.

Aparentemente, a pandemia despertou um pouco a nossa consciência para a condição de seres sociais e interdependentes, mesmo que sob o impacto abrupto e trágico dos seus efeitos. Nessa retomada de consciência da sociabilidade, a partir da mudança que trouxe a pandemia, descobrimos que o rapaz que entrega o fastfood tem um rosto e, de algum modo, faz parte do nosso convívio social. Assim como o entregador do hortifruti. Nos demos conta também de que os que trabalham na área de limpeza urbana e também hospitalar são pessoas como nós e estão no contexto do nosso convívio social. Todos estes aqui citados, antes, eram invisíveis, ganharam uma visibilidade intensa e inesperada em nosso dia-a-dia na quarentena.

Convido a refletirmos que talvez a pandemia, que provocou o isolamento social em diferentes e diversas áreas do planeta, dentre tantas coisas, venha a demonstrar que em um certo sentido já experimentamos um isolamento social em nós mesmos. Fechados em nossa indiferença e apatia. Aprisionados por nossos medos. Tiranizados por nossos interesses particulares e egoísmos. Outro ponto importante para refletir: somos uma sociedade mundial. Não temos apenas a sociedade italiana, norte-americana, japonesa, brasileira etc. Somos separados por fronteiras, distâncias e outros fatores artificiais, mas com a Covid-19 percebemos que compartilhamos o mesmo mundo e as experiências da morte, da dor, do desespero, do medo e da compaixão. Desta forma, não se vive sozinho, por mais que se queira.

Cito para ilustrar tal ideia um trecho do poema de John Donne: “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra; se um torrão é arrastado para o mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti” (Donne,2015).

Exatamente! Fazemos parte de uma sociabilidade que se constitui como a do gênero humano e talvez o pós-pandemia nos leve a conviver em maior solidariedade, respeito, igualdade, cooperação, paz e fraternidade. Posso ser questionado se não estarei vislumbrando uma mera utopia ou fantasia. Pessoalmente, não espero que nos transformemos em anjos ou santos! Não sonho com o maravilhoso mundo de Poliana! Porém, torço sinceramente que após o tamanho efeito avassalador desta pandemia possamos nos ouvir e perceber mais uns aos outros, para que não atinjamos de vez a nossa destruição.

> Nenhum Homem é uma ilha. John Donne e a Poética da Agudeza. Tradução de Lavínia Silvares. Editora, Unifesp, 2015. 

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Por Rogério Luís da Rocha Seixas  –  rogeriosrjb@gmail.com

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