(Foto Ilustrativa)
O contato com a natureza é, essencialmente, o contato com a poesia da vida, a poesia natural, a realidade pura
Bem em frente à minha casa, tem um árvore grande e frondosa que é habitada por uma infinidade de vidas. Sabiás, bem-te-vis, cambaxirras, rolinhas, pombos e, vez ou outra, micos famintos e maritacas perdidas.
Da minha varanda, graças ao isolamento social, pude recuperar o hábito de contemplar este condomínio da natureza enquanto pratico meus mergulhos ontológicos ou meus voos epistemológicos. Fico maravilhado com a ousadia da natureza que, quando o homem se afasta, avança sobre os escombros da destruição que a humanidade produz sob o pretexto do progresso.
Os animais, na sua simplicidade existencial, quando permitimos, transformam nosso habitat em um festival de cores, sons e aromas. Devolvem a nós, os humanos, tudo aquilo que roubamos de nós mesmos: o momento presente, a realidade na sua pureza.
Esse contato com a natureza é, essencialmente, o contato com a poesia da vida, a poesia natural, a realidade pura. O homem é rodeado de poesia. Cabe a ele esculpir os poemas que farão a ponte simbólica entre nós e a natureza a qual nos desgarramos por bobo antropocentrismo. Não existe o homem e a natureza. Existe a natureza que o ser humano integra, ainda que de forma privilegiada através da possibilidade de simbolizar.
A vida é essa poesia a ser contemplada. O poema, uma tecnologia simbólica que dá ao homem a possibilidade de produzir mensagens, informação e memórias sobre o percurso da nossa experiência como esse animal de realidades que somos.
A natureza, nesses dias de quarentena, tem me possibilitado recuperar essa minha percepção adormecida da natureza que sou parte, que habito e que integra minha "existencialidade" ética e estética que costumo chamar intencionalmente de est(ética).
É graças a essa percepção da realidade natural, não "tecnologizada", que o humano entra em contato com sua humanidade, com sua dimensão espiritual. É ali, nessa realidade natural que habita a poesia e que nos transforma em um "animal poético".
A poesia é, nesse sentido, uma espécie de religiosidade. O poema, uma forma de liturgia, um ritual, um aparato da linguagem que o homem se serve para estar em contato com sua dimensão natural ou espiritual.