
(Foto Ilustrativa)
A poesia, se não cura a alma, ajuda a mantê-la em relativo equilíbrio para que possamos não mais vagar pelas ruelas da nossa existência
Por exatos vinte anos deixei de escrever poemas. Já disse isto algumas vezes, mas nunca da forma como vou contar para você, leitor, nesta crônica de hoje.
Comecei a escrever poesia com mais ou menos dez anos, no colégio Thêmis de Almeida Vieira, em Volta Redonda. Lembro-me que cheguei, inclusive, a ganhar um concurso no ensino fundamental. Era um poema ingênuo, por isso tão especial, sobre um palhaço estabanado e carente. Foi meu primeiro poema. O que eu mais gostava. Durante a oitava série, um amigo e eu resolvemos juntos reunir nossos poemas. Quem sabe algum dia virasse um livro! - era nossa esperança. Ele ficou de "datilografar", mas saímos de férias e nunca mais devolveu. Passamos para o ensino médio e nunca mais o vi. Meus poemas estavam perdidos.
Não desisti da poesia, mas o desaparecimento daqueles poemas me tornou um escritor mais recluso, mais ressabiado. Não falava mais deles. Não mostrava mais eles a ninguém. Mantinha-os em meus cadernos, guardados, em segredo. Em parte pelo trauma do ensino fundamental. Em parte pela vergonha de desejar ser poeta num mundo em que todos desejavam ser ricos, empreendedores, bem sucedidos. A pobre poesia não enchia barriga de ninguém, era o que diziam. Tolo. Mil vezes tolo!
Um dia, encantei-me por uma garota e resolvi agradá-la com algumas flores e uma analogia poética, uma analogia que não foi bem compreendida e que gerou uma humilhação a um garoto que rompia sua maioridade e que tinha sérios problemas de autoestima. Apesar daquele episódio juvenil ter sido responsável por uma sequência de encontros positivos, que não vêm ao caso, na minha vida, à época foi um episódio doloroso o suficiente para que eu abandonasse a poesia e queimasse (estupidamente!) todos os meus cadernos. Jurei que a poesia nunca mais me decepcionaria.
Que tolo, mais uma vez! Mal sabia eu que era justamente a poesia a responsável por mitigar tantas das frustrações da vida, pois eu as vertia em versos e as assimilava como arte, como antídoto, como uma panaceia bendita. A poesia era literatura. Era cura. Era literacura!
Não escrever mais poesia foi causando em mim uma espécie de desidratação ética e estética, uma amargura que demorei muito a assimilar e compreender. Eu tinha "matado" uma parte de mim que acabou sendo relegada à escuridão e negligenciada a ponto de produzir sombras que acabaram interferindo o meu processo de amadurecimento e de aceitação da realidade.
Exatos vinte anos depois, durante dois anos de sessões de terapia, a poesia foi ressurgindo lentamente. Primeiro por meio de aforismos, depois por haicais e aldravias. A poesia tinha encontrado seu caminho dentro da minha dor existencial!
Esta experiência registrada no meu primeiro livro "Quase Histórias" (Autografia, 2019) foi aos poucos hidratando minha dimensão poética e o "Animal Poético" (Multifoco, 2020) que foi oprimido pelas sombras que criei foi ganhando vida e me tornando um ser existencialmente est(ético).
A experiência estética tem sido, desde então, um alento aos dia difíceis. Graças à poesia tornei-me um sobrevivente e pela poesia tenho elaborado um processo intenso de catarse e reencontro com minha existencialidade.
A poesia, se não cura a alma, ajuda a mantê-la em relativo equilíbrio para que possamos não mais vagar pelas ruelas da nossa existência.