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Crônicas de Humor e Entrevistas Poéticas

Isabel Furini

isabelfurini@hotmail.com

Novo Romance

O escritor

Ernesto mudou-se do Centro da cidade para o bairro de Bacacheri, perto do parque; precisava de silêncio para escrever sua obra fundamental; renovarei as letras, falava com seus botões

Colunistas  –  28/06/2020 12:16

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(Foto Ilustrativa)

A esposa correu até o quarto, mas era tarde demais; chegou no momento em que Ernesto, de olhos fechados, jogava-se pela janela 

 

Na manhã de sábado estava sentado diante do computador. Escrevia o primeiro parágrafo de seu novo romance. Que nome daria à sua personagem? Teria que iniciar com A para demonstrar que o enredo partia de uma ação realizada pela protagonista. Ana seria um bom nome? Não! Curto demais. Anastásia? Não! Poderia ser confundido com a história da nobre russa desaparecida. Anacleta... Não... Não... Albertina? Isso mesmo! Albertina! Albertina foi o nome escolhido por Proust para sua personagem feminina. Por que não? Ao final, meu livro tem uma marcante influência proustiana, concluiu.

Uma vez escolhido o nome da protagonista, o escritor inicia o primeiro parágrafo. Tem que ser visceral, pensou. Dilacerante! “No quarto escuro, Albertina apalpa as paredes. Onde estará o espelho de luz? Um reflexo luminoso no chão. A luz entrava por baixo da porta. Do outro lado, vozes e risos. Uma festa? Não lembrava...”. Não lembrava... Eu escrevi não lembrava mas ficou feio. Tenho que achar outra frase. Vejamos. Uma festa? Albertina estava confusa... Que porcaria... Não era isso, não. O que escrever depois da pergunta: uma festa? Imagens rápidas... Não, rápidas não!.. Imagens entrecortadas. Isso ficou bom: imagens entrecortadas acudiam velozes. Que diabos estou escrevendo? Imagens não acodem... Imagens... Imagens aparecem? Surgem? Nada disso. Ernesto deleta as frases e volta àquela pergunta: Uma festa?

Ele tentou escrever esse parágrafo durante horas a fio. O sol caía no horizonte quando Ernesto, desesperado, olhou o céu azul profundo com matizes vermelhos. Olhou o monitor. Não havia conseguido terminar o primeiro parágrafo. Nem o retrato de Proust, colocado na estante lhe havia servido de inspiração. - Se não posso ser igual a Proust, para que viver? - perguntou-se. Sempre olhando o céu, encaminhou-se à janela. E trêmulo e corajoso ao mesmo tempo, gritou:

- Márcia, coloque no meu epitáfio: Foi um bom escritor.

A esposa correu até o quarto, mas era tarde demais. Chegou no momento em que Ernesto, de olhos fechados, jogava-se pela janela. Machucou o braço e as costas. Tentou sentar-se na grama, enquanto Márcia, colocando a cabeça para fora da janela, gritava: - Ernesto, o que tentou fazer? Você esqueceu que agora moramos no térreo? 

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Por Isabel Furini  –  isabelfurini@hotmail.com

1 Comentário

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  • Marli Terezinha Andrucho Boldori

    Parabéns, Isabel, excelente a sua escrita, desnecessário dizer que
    tudo que escreve é ótimo.
    Grande abraço!