
(Foto Ilustrativa)
Quanto maior a velocidade, menos tempo para sermos nós mesmos e pensarmos talvez em questões essenciais
Começo mais uma troca de ideias formulando algumas questões: Qual o ritmo de velocidade de nossa existência atual? Nosso cotidiano apresenta-se suficiente para o tempo que necessitamos e a velocidade que imprimimos em nossas atividades? Estamos em um modo de velocidade mais lenta ou cada vez mais acelerada? Qual a relação entre a velocidade de nossa existência com o nosso tempo de ser?
Perguntas que parecem tolas ou vazias, mas que como sempre faço convido aos amigos e amigas que, por gentileza, acompanham as exposições de ideias, para fazer uma reflexão que precisa levar em conta a velocidade de nossa existência contemporânea e o tempo que dispomos na trajetória atual.
Quando conversamos com pessoas de gerações anteriores, essas passam sempre a percepção de que as coisas “corriam mais devagar”. Uma velocidade menor no dia a dia e, por consequência, o tempo próprio experimentado por aquela geração passava também mais lentamente ou assim o percebiam. Em nossa temporalidade contemporânea, a percepção de tempo torna-se, ao contrário, excessivamente rápida e quantitativamente insuficiente para nossas atividades. Penso eu que tal percepção deve-se à nossa necessidade de muito produzir e consumir, contudo, a velocidade dos avanços tecnológicos nos levam a perceber que o tempo se encurta e as informações, além das tarefas, tornam-se mais constantes.
Destaco um pensador, Paul Virilio* se concentrou ao extremo sobre os impactos da velocidade da tecnologia na cultura e a percepção humana sobre a existência do modo de ser que passamos a levar. Virilio faz uma releitura do mundo, da história do Ocidente, a partir da perspectiva de que a lógica da corrida se tornou a referência absoluta, equivalente geral, a velocidade substitui a riqueza. A velocidade é considerada como um valor, a partir do advento da revolução tecnocientifica. Virilio diagnostica a sociedade contemporânea como uma “dromocracia”, um tipo de governo da velocidade com que se tem a “entrada no mundo do equivalente-velocidade ao equivalente-riqueza” (Virilio e Lotringer**, 1984: 48). Significa dizer que a velocidade de produção e tempo de circulação de capital intensifica-se e ditando o modo de nossas condutas.
Há uma forte conotação de reflexão política nessa descrição, pois nos vemos cada vez mais despolitizados. Simultaneamente, perde-se o lugar da sedentariedade do não-movimento, mas se estabelece a sedentariedade no “instante da velocidade absoluta” como forma de redução do mundo a um único lugar com identidade unitária. Talvez possamos vislumbrar a descrição de um conjunto de corpos interligados como um corpo único, algo almejado ou idealizado pela globalização tecnológica. Nesse contexto, o tempo se esvai de modo tal que nos perdemos em seu escoamento. Ao mesmo tempo, entramos na angústia de produzir mais. Consumir mais.
O desejo de ter mais tempo e, de fato, as tecnologias no campo biomédico nos permitem hoje maior longevidade. Por sua vez, o “lugar situado” desloca-se pelas redes sociais, que nos capacitam a ultrapassar limitações de espaço e tempo que a velocidade atual nos impõe. Contudo, há sempre custos, pois diferente de Virilio, que não acompanhou a explosão das tecnociências de forma tão intensiva como tem ocorrido, o tempo nos parece insuficiente para viver mais plenamente, interferindo inclusive em nossa sociabilidade, imprimindo um modo de ser quase que maquinal.
A velocidade percebida pelo autor, penso eu, transformou-se em uma “Hipervelocidade” que ganha volume tamanho, sufocando mais e mais a nossa temporalidade atual, mas que habituados com esse ritmo quase não nos damos conta dessa tensão, que recrudesce devido aos efeitos da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Teremos que aprender a lidar mais ainda com a condução de nossa temporalidade e o controle de nossa velocidade, se ainda for possível. Afinal, quanto maior a velocidade, menos tempo para sermos nós mesmos e pensarmos talvez em questões essenciais, como a democracia, a liberdade e os nossos direitos.
*Virilio, Paul e **Lotringer, Sylvere. Guerra Pura: a militarização do cotidiano. Tradução de Elza Miné e Laymert Garcia dos Santos. São Paulo: Brasiliense, 1984.
Virilio, Paul. Velocidade e Política. Tradução de Celso Mauro Paciornik e prefácio de Laymert Garcia dos Santos. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.