
(Foto Ilustrativa)
O que era? Não tinha silhueta, nem forma. Era indefinido, intocável.
Há quem acredite que a lua nova em uma quinta-feira seria a chave para abrir o universo paralelo.
Nessa fase lunar, a posição da lua está localizada entre o Sol e a Terra. E a conjunção dos três elementos seria o momento no qual o portal se abriria, como uma espécie de passagem entre este mundo com o de lá. Dessa forma a conexão entre as dimensões seria estabelecida.
E no quinto dia da semana é quando a troca de energia entre o cosmo e o corpo aconteceria de maneira significativa. Uma mudança momentânea no tecido humano alteraria sua densidade, tornando-o mais propenso a sintonizar nas frequências do lado de lá. Essa influência sobre o corpo físico facilitaria a travessia entre os dois planos.
Se verdade ou não, peço que o leitor liberte-se e venha comigo neste conto.
Um detalhe, a história que contarei aconteceu, coincidentemente, na quinta-feira com a lua nova no céu.
Em seu quarto, Alice vestia o pijama e penteava suas madeixas, uma prática rotineira de todas as noites antes da oração.
Deitava-se na cama e mesmo com a luz apagada, fitava os olhos no teto para orar ao seu mentor. Um momento de agradecimento. A prece não seguia nenhuma religião estabelecida pelos homens, o que dominava era a compaixão e as reflexões guiadas pelos espíritos do coração.
Tudo percorria como sempre, nada de relevante que merecesse ser mencionado ou detivesse atenção especial.
Aquela noite poderia ter sido mais uma entre tantas outras.
Poderia, mas não foi.
Caos, o deus do tudo e do nada, tinha outro plano para a oportuna quinta-feira.
E antes mesmo que a moça pudesse finalizar a oração, suas pálpebras pesadas se fecharam.
Já não podia perceber a janela que se abria lentamente. O suspiro do vento que adentrava pela fresta, a sutileza da brisa pelo rosto, o toque nos cabelos pelo sopro vagaroso. Tudo era sentido e nada percebido.
Sem demora, o breu que reinava no quarto descortinou para emergir uma luz resplendorosa.
Em meio ao clarão, Alice despertou letárgica.
O caos estava formado.
De repente um arrepio lançou-se pela sua espinha. Ficou inerte. Olhos arregalados de pavor, cravados, no fulgor intenso.
O que era? Não tinha silhueta, nem forma. Era indefinido, intocável.
Sem desviar o olhar, encarou o imponente brilho vindo em sua direção.
O brilho cegante cedeu poucos lumes, abrandou para uma luminosidade ainda ofuscante. Em seguida atenuou em claridade amena, após suavizou para uma luz sutil.
O brilho parecia desvanecer à medida em que se aproximava do leito de Alice. Logo reduziu a um pontinho cintilante, e por fim desapareceu no ar.
A luz, agora dissipada, sem dúvida tinha alcançado o seu objetivo. Embora invisível, fazia-se notar pelas manifestações. A sua presença era marcante.
Estava muito perto.
Apanhou toda a coragem, engoliu seco e perguntou:
- Quem está aí?
- Chamou por mim, implorou para que eu viesse! - Um retorno sem voz a congelou.
Mãos suadas, face pálida, corpo rígido. Apenas um pensamento apoderava-se de sua mente - Chegou a Hora.
No passado pediu dia e noite que a levasse para o outro lado. Não tinha vontade suficiente para tirar a vida e tão pouco para vivê-la. Não importava se pouco vivia ou muito morria. Apenas faltava vontade.
Teria sido atendida após anos? Justo quando tomava gosto pelo viver.
- Anjo, é minha hora? - Indagou com a voz receosa.
- Não sou anjo nem demônio. Por que fecha a janela para a sua consciência?
- Quem é você?
- Digo que não sou aquele que você o define. Apenas ser não basta? Veja-me com o seu olfato. Sinta-me com sua audição. Toque-me com seu coração. Vá além dos cinco sentidos.
Manteve-se pensativa.
Fala pausada e enigma como resposta. Seria possível?
A maneira de usar as palavras para revelar sem confidenciar, suprimir para não ocultar. Não poderia ser…
A dúvida entre tanta desconfiança a rodeava; assim como o rubor na face não escondia tamanha esperança. Talvez! O peito encheu-se de ar…
- Aa... - Atônita, não concluiu.
Uma sábia inconclusão.
Um silêncio profundo foi concebido.
Nada se falava e tudo se ouvia. Sem ruído, sem interferência, sem explicação.
> Continua na próxima coluna...