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Pandemia Covid-19

A negação da morte e o narcisismo em tempos de coronavírus

Nunca acreditamos que nós ou nossos entes queridos serão infectados; tal ideia nos aterroriza e assim precisamos negá-la

Colunistas  –  25/01/2021 07:47

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(Foto Ilustrativa)

Devemos marchar lado a lado, cientes de que qualquer um de nós poderá morrer na guerra contra o coronavírus e, por esse motivo, precisamos cooperar uns com os outros, para conseguirmos vencê-la de modo definitivo

 

Finalmente 2020 se foi. O novo ano no mundo começa com a expectativa de dias melhores. A vacinação contra o novo coronavírus (Covid-19) já se iniciou ou iniciará em vários países, esperando-se que aconteça de forma concreta e organizada em nosso Brasil. Contudo, remetendo a nosso país, a pandemia ganha contornos mais preocupantes em número de infectados e principalmente de mortos. Ora! Nesta troca de ideias, quero levantar um tema para nossa reflexão, referente ao texto proposto: “A conduta no geral de boa parte da população demonstra ainda uma certa falta de preocupação ou mesmo responsabilidade para com a situação da pandemia”. As atitudes expressam um total descaso e negação da gravidade do problema enfrentado, pois não se cumprem as indicações mínimas para a prevenção e controle do vírus, como evitar aglomerações ou o uso de máscaras. O que motiva tal comportamento?

Bem! Aqui pretendo não destacar uma resposta fechada, mas uma reflexão a partir de um livro intitulado “A Negação da Morte”, do antropólogo Ernest Becker, que visou construir uma discussão interdisciplinar com a filosofia, sociologia e a psicanálise que se concentra na seguinte questão: “A noção da morte, o medo que ela inspira, persegue intensamente a nós humanos, sendo este medo a mola mestra de nossa atividade em buscar evitar sua fatalidade e vencê-la de algum modo, mediante a sua negação, enquanto  o nosso destino final”. (1973, p.9)

Becker argumenta que tal medo e tentativa de negação tornou-se muito comum no homem contemporâneo, isto é, em nós que atravessamos a pandemia da Covid-19. Nesse livro outro ponto é destacável: “Freud descobriu que cada um de nós repete a tragédia de Narciso da mitologia grega: “Estamos profundamente absortos em nós mesmos. Se estamos preocupados com alguém, é conosco, antes de qualquer outra coisa”. (1973, p. 16). Aparentemente, tal narcisismo reflete-se em nossas atitudes de desrespeito ou indiferença, ainda bastante persistentes, quanto à condição dos nossos tempos de coronavírus.

Retomando o livro de Becker: “Um dos aspectos mais mesquinhos do narcisismo é acreditarmos que todos são sacrificáveis, menos nós mesmos”. (1973, p.16). Mas qual o sentido dessa atitude, que nos reportando ao nosso momento presente, marcado pela pandemia, poderia ser útil para tentar explicar este narcisismo?

Becker destaca que é este “narcisismo que faz com que nas guerras, o soldado marche ao lado dos outros soldados, acreditando que ele não morrerá, mas sim o companheiro ao lado”. (1973, p.16). Penso que com o coronavírus é semelhante. Nunca acreditamos que nós ou nossos entes queridos serão infectados e correndo assim risco de morte. Tal ideia de sermos atingidos pela morte nos aterroriza e assim precisamos negá-la. Não há nenhum tipo de noção de perfídia nesse comportamento. Como aponta Becker: “O homem se encontra incapaz de evitar o seu egoísmo; este parece vir de sua natureza animal”. (1973, p.17).

Desta forma, não se faz nenhum tipo de condenação moral, mas não posso deixar de pensar que poderíamos ser mais responsáveis para o cuidado com os outros e com nós mesmos. Assim sendo, encerro utilizando-me do exemplo dos soldados: “Devemos marchar lado a lado, cientes de que qualquer um de nós poderá morrer na guerra contra o coronavírus e, por esse motivo, precisamos cooperar uns com os outros, para conseguirmos vencê-la de modo definitivo”.

*Becker, E. A Negação da Morte. Ed. Record, 1973. 

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Por Rogério Luís da Rocha Seixas  –  rogeriosrjb@gmail.com

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