
(Foto Ilustrativa)
A arte de envelhecer está em descobrir o prazer que todas as idades proporcionam, pois todas têm as suas virtudes
Dou início a esta nova troca de ideias, pasmo com uma notícia: A OMS (Organização Mundial de Saúde) pretende classificar a velhice como sendo uma doença. Confesso que, pasmo e assustado, pois já estando a caminho do envelhecimento teço o seguinte questionamento: Será que já posso me considerar doente? Caso ainda não, com que idade estarei indicado a estar doente? Acreditando que tal fato não passe de um mal-entendido, traço uma reflexão: Não se pode mais envelhecer, tornando-se assim algo anormal? Posso a partir deste ponto desenvolver outra reflexão: Esta situação não poderia agravar maiores preconceitos contra um grupo que já se encontra vulnerável à condição de fardo, inutilidade, descartabilidade e obsolência? Afinal, o respeito ao idoso ou ao velho, não é dos fatores mais intensos em nossas sociedades, apesar das leis e estatutos.
A preocupação com a velhice existe desde tempos muito remotos, e o modo de perceber e refletir sobre a possibilidade de envelhecer variou para todos os povos. Destaque-se que a partir da visão filosófica sobre o processo de envelhecimento podemos ter uma noção dessas variações. Para o filósofo chinês *Confúcio, a família deve ter como base a obediência ao ser humano masculino mais velho. Assim, a autoridade do patriarca mantém-se elevada com a idade e até mesmo a mulher, tão subordinada, na velhice, passa a ter poderes mais elevados do que os jovens masculinos, exercendo influência preponderante na educação dos netos. Algo impensável em nossas famílias contemporâneas, onde os mais velhos são colocados em papel de irrelevância e visão atrasada da realidade.
O filósofo romano **Marco Túlio Cícero demonstrou-se uma figura exponencial nos estudos sobre a velhice. Aos 63 anos, senador da república, resumiu sua visão de envelhecimento como sendo um processo fisiológico, relatando os problemas do idoso como redução da memória e da capacidade funcional, alterações dos órgãos dos sentidos, redução da capacidade de trabalho. Contudo, salientou que com o envelhecimento os prazeres corporais vão sendo substituídos pelos intelectuais, enfatizando a necessidade de prestigiar os idosos e de fazer-lhes um preparo psicológico para a morte, sem menosprezá-los ou considerá-los como doentes. Ao contrário, a arte de poder envelhecer está em descobrir o prazer que todas as idades proporcionam, pois todas têm as suas virtudes.
Outro filósofo romano, ***Sêneca, defendia que para se alcançar a tranquilidade se faz necessário aceitar o processo de envelhecimento e tirar o melhor proveito dessa fase de vida que poucos seres humanos podem ter o prazer de atingir, destacando que a oportunidade de continuar vivo e lutando pela vida rompe laços de exigências passadas e torna o ser humano idoso um lutador satisfeito, um vencedor.
Desta forma, refletir acerca do poder envelhecer, obviamente com saúde e dignidade, afasta-se da noção de que o envelhecimento em si possa ser uma doença. Deve-se sim apontar para uma elaboração do próprio processo de envelhecimento, difícil e pertinente, direcionando nossos esforços para o cuidar de um ser humano que passa por um processo específico e singular, além de universal.
*Confúcio. Vida e doutrina. Os Analectos. Tradução de Mucio Porfirio Ferreira. São Paulo: Pensamento, 1999.
**Cícero, M. T. Saber envelhecer - Seguido de A amizade. Tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L & PM, 1999.
***Sêneca, L. A. Da Tranquilidade da Alma. Tradução de Giulio Davi de Leoni. In: São Paulo: Nova Cultura, 1982. (Os Pensadores).