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Abuso de Poder Punitivo

Punição e vida nua de direitos

A prática da vida nua de direitos em nome da legalidade se torna uma ameaça ao direto de viver

Colunistas  –  19/11/2021 10:58

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(Foto Ilustrativa)

A punição sobre vidas e corpos desnudos de direitos humanos básicos reflete-se tanto em um pátio de prisão quanto na esquina de uma avenida de um grande centro

 

Dou início à reflexão e discussão desta edição ressaltando que qualquer menção aos direitos humanos não pode se deixar dominar por banalizações ou choques ideológicos. Também se faz necessário refletir sobre a importância e aplicação dos direitos humanos, visando a construção de uma sociedade mais equilibrada moralmente e juridicamente. Sendo assim, penso que se deve identificar a necessidade do respeito ao direito a ter direitos, tanto para os ditos cidadãos de bem quanto para presidiários. Ter o acesso aos direitos mais básicos para uma vida decente ou buscar um modo de vida, reconhecendo-se como ser humano detentor de direitos e enquanto ser social.

Desta forma, a foto e a chamada da matéria na edição da *Folha de São Paulo só podem causar indignação e preocupação: “Detentos são mantidos sentados nus em pátio de presídio de Minas”. (12/11/2021). 

Não estou aqui exaltando o coitadismo ou vitimismo, mas refletindo sobre uma questão mais profunda: a punição por parte do Estado desnudando os direitos vitais dos indivíduos. Penso que não se trata aqui de uma exclusividade: a vida nua de direitos torna-se presente e comum em diversas situações de nosso cotidiano. A punição sobre vidas e corpos desnudos de direitos humanos básicos reflete-se tanto em um pátio de prisão quanto na esquina de uma avenida de um grande centro.

Especificamente a respeito da matéria que mostra “corpos nus sentados e algemados em um pátio de prisão”, a pena privativa de liberdade tem como objetivo, ou assim deveria ser, não apenas afastar o criminoso da sociedade, mas, sobretudo, isolá-lo com a finalidade de ressocialização.  Pode-se debater se tal objetivo é alcançado. Certamente há casos que sim, mas creio que pouco se pode negar que a pena de prisão normalmente atinge o objetivo exatamente inverso: ao ser isolado em um presídio, o apenado assume o papel social de um sujeito marginalizado, adquirindo as atitudes de um preso habitual e desenvolvendo cada vez mais a tendência criminosa, ao invés de anulá-la. Reforço que não estou fazendo aqui apologia ao coitadismo, contudo como ressocializar minimamente sujeitos que violentam, através da violentação de seus direitos? Se são desnudados de seus direitos mínimos de dignidade humana?

O pensador francês **Michel Foucault demarca uma diferença entre os castigos em praça pública, promovidos pelos monarcas, e o estabelecimento das punições, que passam a vigiar e controlar os corpos enclausurados: “A relação castigo-corpo não é idêntica ao que era nos suplícios. O corpo encontra-se aí em posição de instrumento; qualquer intervenção sobre ele pelo enclausuramento ou pelo trabalho obrigatório visa privar o indivíduo de sua liberdade considerada ao mesmo tempo como um direito e como um bem. O castigo passou de uma arte das sensações insuportáveis a uma economia dos direitos suspensos”. (Foucault,2010)

Ao fazer essa observação que marca a mudança histórica do suplício dos corpos ao enclausuramento dos apenados em presídios como punição, Foucault não está fazendo uma apologia de defesa ao crime, mas sim à ameaça do abuso de poder punitivo, sobre os corpos vigiados e punidos.

A imagem dos corpos completamente nus e exibidos no pátio parece simbolizar a possibilidade cada vez mais frequente, mesmo nas assim denominadas democracias contemporâneas, em sermos desnudados de nossos direitos. A prática da vida nua de direitos em nome da legalidade se torna uma ameaça ao direto de viver. Desnuda o direito à dignidade humana. Animaliza os indivíduos. Destrói suas “almas”. Além do mais, expõe a vida dos desnudados de direitos à condição natural de matáveis e descartáveis. Retomando a questão dos corpos dos presidiários desnudados, são violentados em sua humanidade, aumentando as chances de se tornarem mais desumanos e violentos.

*Folha de São Paulo. Edição 12/11/2021. p.B4.
**Foucault, M. Vigiar e Punir. Editora Vozes, 2010. 

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Por Rogério Luís da Rocha Seixas  –  rogeriosrjb@gmail.com

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