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Literatura & Cia.

Jean Carlos Gomes

poearteditora@gmail.com

Entrevista

Antônio Torres, antes e depois da ABL

Romancista fala sobre a emoção de entrar para a Academia Brasileira de Letras, mídias digitais, mercado literário e muito mais

Colunistas  –  23/07/2017 19:25

(Fotos: Acervo pessoal do autor)

“Sem leitura ampla, geral e irrestrita não embasaremos o nosso processo civilizatório”

 Entre os compromissos no campo literário, como concursos em divulgação, livros, a presença do notável poeta Pedro Lyra em nossa Volta Redonda e a preparação de nossa ida à posse do escritor/diplomata João Almino, dia 28, na ABL (Academia Brasileira de Letras), tive a grande satisfação de ganhar a amizade do escritor e também imortal da ABL, romancista Antônio Torres, que gentilmente concedeu a entrevista abaixo: 

Como se sentiu quando foi eleito para a ABL?

Por um lado, foi como se tivesse recebido o maior de todos os prêmios de minha história literária. Por outro, me vi diante de uma grande responsabilidade, a começar pelo fato de haver sido eleito para a cadeira fundada por ninguém menos que Machado de Assis. E mais: o seu patrono é José de Alencar. Além disso, a sua linha sucessória é de grande peso histórico: Machado foi sucedido pelo Conselheiro Lafaiete - que é hoje nome de cidade em Minas e de rua em Copacabana, a rua onde morou o poeta Carlos Drummond de Andrade -, Alfredo Pujol, Otávio Mangabeira, Jorge Amado e Zélia Gattai. Portanto, entrei na ABL com um duplo sentimento: alegria e assombro. 

O que mudou para o escritor depois dessa nova conquista?

Só ao entrar para a Academia pude me dar conta da sua forte penetração no imaginário popular. Logo ao ser eleito recebi uma homenagem de arromba na terra em que nasci (Sátiro Dias, em pleno sertão da Bahia) e fui contemplado com o título de cidadão de Alagoinhas (onde estudei), Salvador, onde vivi apenas um ano, Petrópolis, onde moro, e já estou avisado que a próxima cidade a me oferecer tal distinção será Santa Maria Madalena, também no Estado do Rio de Janeiro. Houve ainda homenagens em festas literárias e de instituições de ensino - como da Universidade Católica de Petrópolis, enquanto os convites para palestras nos mais variados eventos culturais aumentaram significativamente. Num desses, em Paiaiá, um distrito de um município baiano chamado Nova Soure, ao ver tanta gente ali vinda de várias partes (Salvador, Feira de Santana, Aracaju, Recife, e, até, de São Paulo), um primo meu (Marcelo Torres, que mora em Brasília), me fez uma observação sobre o valor simbólico da ABL nos corações e mentes de tudo quanto é canto deste imenso país, ao exclamar: “A tal da imortalidade move mundos!”.(Quem comentou comigo haver sentido isso de perto foi o saudoso Ferreira Gullar: “Não foi a crítica literária que me consagrou, mas a Academia”, ele me disse, pouco depois de lá haver chegado).

E o que dizer da convivência na Casa de Machado de Assis? Sempre muito agradável - e proveitosa. Ali me reciclo constantemente, seja com as intervenções dos acadêmicos nas sessões plenárias de toda quinta-feira, seja com as conferências públicas realizadas às terças-feiras, de março a dezembro, e o seminário Brasil, Brasis, na última quinta de cada mês. É uma agenda cultural imperdível. Acho que isso dá uma ideia do que mudou na minha vida ao ser eleito para a ABL, não? 

Diante da crescente relevância das mídias digitais, que novo cenário, em sua opinião, se desenha para a literatura brasileira?

Sem dúvida as mídias digitais trouxeram uma abertura imensa para a difusão de livros e para a exposição dos autores, de forma democrática, pelo menos aparentemente. O retorno em termos de leitores me parece que está sujeito às velhas leis do mercado. Nesse admirável novo mundo intergaláctico nem todos chegam ao paraíso, repetindo-se aqui um preceito bíblico: muitos são os chamados, poucos os escolhidos. Os poucos que estão acertando na mosca, ou seja, com o gosto do tempo. Por enquanto, quem captou o espírito da coisa foram os youtubers. Estes estão sendo disputados a peso de ouro pelas grandes editoras de livros - impressos! Creio que o novo cenário que se desenha aí não trará benefícios excepcionais à literatura brasileira como um todo, mas a quem saiba dançar conforme os ritmos das novas tecnologias, aqui, agora, e para o futuro. 

A constante crítica de que somos um país de poucos leitores interfere de alguma forma em sua atividade?

Venho de um mundo agrário e ágrafo, ou seja, de uma terra sem rádio e sem notícias das terras civilizadas, como cantava Luiz Gonzaga, o rei do baião. Sem livros. Mas foi naquele lugar esquecido nos confins do tempo que descobri a palavra escrita. Logo, fui despertado para a literatura na escola rural da minha infância, onde se lia prosa e poesia em voz alta, em toda aula. Vindo desse tempo e desse lugar, chegar a ser um escritor já seria uma grande conquista. Tanto que quando estreei, em 1972, com o romance “Um cão uivando para a Lua”, me espantei com o impacto que ele causou na crítica e no público, chegando até a aparecer em listas dos mais vendidos. Outra surpresa foi quando o telefone tocou e do outro lado da linha anunciou-se um repórter que queria me entrevistar. Achei que era um trote. Logo, não vim ao mundo das letras com a ilusão de ter muitos leitores. Mas até que os tenho, e numa quantidade que me surpreende, embora não me ufane, claro, dos índices nacionais, que são preocupantes, pois sem leitura ampla, geral e irrestrita não embasaremos o nosso processo civilizatório, que se arrasta por cinco séculos, a passos de tartaruga. 

O que a literatura de mais satisfatório lhe proporciona? 

Quando bato nas teclas e elas respondem - satisfatoriamente. 

Qual é, a seu ver, a função da literatura na sociedade?

A de melhorá-la, espiritualmente, fazendo-a pensar melhor, sentir melhor, expressar-se melhor. 

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Por Jean Carlos Gomes  –  poearteditora@gmail.com

2 Comentários

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  • Neuza de Brito Carneiro

    Muito bom constatar que temos (como brasileiros) escritores que ficam famosos porque encontram público ainda que exista a afirmação de que não temos o bom hábito da leitura. Apraz-me ver um escritor baiano sendo bem sucedido em sua carreira literária e com um histórico desse mostrado para nós. Parabéns a Antônio Torres.

  • Antônio Torres

    Obrigado pela publicação da entrevista, prezado Jean Carlos Gomes.